A alegria do Evangelho para uma Igreja em saída
Com o tema: “A alegria do Evangelho para uma Igreja em saída” e o lema: “Juntos na missão permanente”, iniciamos neste mês de outubro, o terceiro mês temático do ano, desta vez dedicado às missões. No passado mês de setembro tivemos a alegria de acolher em nossa arquidiocese o Congresso Missionário Nacional, iluminado por este mesmo tema, cuja reflexão se prolonga neste momento.
“A alegria do Evangelho para uma Igreja em saída” não pode ser apenas um tema a mais, escolhido entre outros. São palavras de ordem que escutamos do papa Francisco. Esse tema é como a tradução nova do chamado de Jesus aos discípulos: “Vem e segue-me!” A alegria do Evangelho e Igreja em saída não podem ser palavras repetidas sem profundidade aqui e ali, mas que não chegam a mudar nada na nossa vida concreta, nem no nosso jeito de ser Igreja. Não pode ser assim, não deixem que seja assim. Ao contrário: viver profundamente a alegria do Evangelho para uma Igreja em saída expressa o núcleo do que acreditamos ser nossa missão de cristãos. Esse chamado do papa Francisco nos lembra que o evangelho é para ser vivido e experienciado como boa notícia do reino de Deus, isso é, de que o projeto divino se realiza mesmo nesse mundo.
Por mais que estejamos vivendo tempos difíceis, no Brasil e no mundo, sobretudo no plano social e político e também como mudança de época civilizatória, temos de apostar no projeto de Deus. Temos de testemunhar que esse mundo pode ser transformado e podemos sim iniciar aqui e agora a paz, a justiça e o cuidado com a casa comum a que o papa nos tem convocado. Daí vem a alegria do Evangelho. Ela só pode ser vivida e compreendida em uma Igreja em saída, isso é, uma Igreja que consiga se abrir para fora de si mesma e sair de si. É preciso vencermos as tentações do acomodamento rotineiro. É urgente romper com os vícios que o papa tem frequentemente apontado. O papa Francisco tem insistido: o clericalismo nos fecha em nós mesmos. É um caminho contrário ao Evangelho. O carreirismo pessoal, que, no seu discurso à cúria romana já em dezembro de 2013, o papa descreve como “um desejo entranhado de poder e prestígio que pode ser uma tentação para todos nós”, transforma a Igreja em uma empresa capitalista e não em uma missão do Evangelho. A saída que o papa propõe para a Igreja não é a saída de uma Igreja triunfante e poderosa que sai para conquistar o mundo. Não é essa a missão. Se for de acordo com Jesus, a missão é Kenosis. É esvaziar-se para servir. “Ele esvaziou-se a si mesmo e tomou a condição de servo” (Fl 2, 5 ss).
Em toda a América Latina, a nossa Igreja iniciou a celebração do cinquentenário da 2ª conferência geral do episcopado latino-americano em Medellín, que se encerrou no dia 06 de setembro de 1968. A Conferência de Medellín foi muito importante para nós porque significou não apenas a aplicação do Concílio Vaticano II ao nosso continente, mas foi além disso: deu à nossa Igreja um rosto propriamente latino-americano. Medellín foi, sem dúvida, o começo de uma Igreja em saída, porque não se restringiu às preocupações internas da organização eclesial, mas à missão da Igreja como presença profética e renovadora. Foi em Medellín, a primeira vez que um papa, no caso Paulo VI, veio até a América Latina. Foi ele quem inaugurou a conferência, indicou o tema e orientou os debates. Um dos bispos que mais contribuiu para que a conferência de Medellín fosse uma profecia na vida da Igreja foi nosso querido Dom Helder Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife. Nas conclusões de Medellín, encontramos vários textos que tiveram a contribuição de Dom Helder, principalmente a afirmação: “Que se apresente cada vez mais nítido na América Latina o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo o poder temporal e corajosamente comprometida com a libertação do ser humano por inteiro e de toda a humanidade” (Med.5,15).
Atualmente, o papa Francisco tem retomado as propostas de Medellín através de gestos concretos em favor dos pobres, refugiados e migrantes, empobrecidos pelo sistema social dominante que propõe, como diz o papa, uma “cultura da indiferença” e uma civilização na qual a maioria pobre da humanidade parece ser material descartável em função do lucro de uma pequena elite perversa e insensível ao sofrimento de uma multidão cada vez maior de seres humanos. Que o mês das missões possa contribuir para tornar a Igreja um espaço de amor e solidariedade, aberta a todas as pessoas humanas, sem nenhum tipo de exclusão e que a alegria do Evangelho para uma Igreja em saída seja vivida como testemunho de que, como cantamos na entrada da missa de Pentecostes: “O Espírito do Senhor encheu com o seu amor todo o universo, aleluia”.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife