PE: Igreja pede que ordem judicial de reintegração de posse respeite direitos humanos

Devido à pandemia do novo coronavírus, o período de isolamento social e a recomendação para ficar em casa seguem por tempo indeterminado para a maioria dos brasileiros. A exceção à regra, porém, passou a valer para seis famílias pobres que vivem na cidade de Palmares, mata sul de Pernambuco. Para elas o prazo tem dia e hora para acabar: às 8h do próximo dia 5 de agosto.

A determinação foi expedida no último dia 30 de março pela justiça federal. A ordem atende a um pedido de reintegração de posse do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em favor da Transnordestina Logística, ou seja, sair de casa para essas famílias significa nunca mais voltar.

A sentença, naturalmente, provocou desespero em cerca de 380 famílias que vivem na chamada área de domínio (15 metros do centro para cada margem do trilho) da antiga linha férrea que corta a cidade. A denúncia foi feita pelo bispo da Diocese de Palmares, dom Henrique Soares da Costa, que cobra uma solução com garantia de moradia digna a quem está prestes a perder o lar.

“Foi nesta casa que cresci com meu irmão e vi a luta da minha mãe para nos manter aqui nesses 25 anos trabalhando em plantação e tudo mais que aparecesse. Quando dei a notícia que teríamos que sair ela passou mal. Como uma pessoa que lutou a vida toda se sente quando sabe que na velhice vai perder o único bem que tem?”, questiona Josilene Maria da Conceição, 29 anos, filha da aposentada Maria Idalina, 76 anos.

Além de Maria Idalina, as outras condenadas a abandonarem o lar onde sempre viveram com suas famílias coincidentemente se chamam Maria. Uma delas, já falecida, é mãe de Nelito Veloso da Silva (foto), 63 anos, que há 20 perdeu a visão por causa de um glaucoma.

Impossibilitado de trabalhar, Nelito vive na casa herdada da mãe com a ajuda do auxílio-doença no valor de um salário mínimo (R$ 1.045). A angústia de ser do grupo de risco da Covid-19 se soma agora a de não saber onde vai morar com o irmão mais velho, a filha e o neto.

“Nós não temos para onde ir, nem nossa família nem ninguém que mora aqui perto da linha do trem. Estamos desesperados”, afirma.

Desenvolvimento econômico sem direitos humanos

O trecho da ferrovia em disputa faz parte do projeto de recuperação da nova Transnordestina que liga os portos de Pecém (CE) a Suape (PE). A implantação do empreendimento começou em 2006 há um custo estimado de R$ 5,4 bilhões, no entanto, dez anos depois do início das obras o Governo Federal já havia gasto R$ 6,2 bilhões e concluído apenas 52% da ferrovia.

No chamado tronco Recife-Sul, a intervenção deve desabrigar quase 5.000 famílias nos territórios da Diocese de Palmares e da Arquidiocese de Olinda e Recife. “A União deixou que as pessoas construíssem suas casas e vivessem ali durante quase 50 anos, abandonou essas famílias. Agora, mesmo com as obras da Transnordestina paradas, a justiça decide tirá-las de seus lares sem oferecer o mínimo de dignidade”, diz dom Henrique.

De acordo com o bispo, há seis anos a diocese com voluntários da Comissão de Justiça e Paz e das Pastorais Sociais trabalha por um acordo que não viole os direitos humanos dos moradores da região. Dom Henrique, nesse período, já dialogou com deputados, prefeitos, vereadores, ministros, senadores, representantes do Dnit e da Transnordestina Logística e com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara.

“O governador prometeu que nenhuma casa seria derrubada. Esperamos que ele busque o entendimento ou com a justiça federal para ao menos suspender a execução dessa ordem de reintegração de posse, ou num acordo com o Governo Federal garanta novas casas às famílias”, diz o prelado.

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