“O Evangelho e a vida”
A cada ano, a CNBB propõe um tema e um lema para o Mês da Bíblia que sempre ocorre em setembro. Nesse ano, o livro escolhido é a 1a Carta de Paulo aos Tessalonicenses. Essa carta deve ser o fio condutor desse mês da Bíblia de 2017, com o lema: “Anunciar o Evangelho é doar a própria vida” (1 Ts 2,8).
Tessalônica é uma cidade que até hoje existe na região da Macedônia, norte da Grécia. Conforme os Atos dos Apóstolos, no início dos anos 50, Paulo e sua equipe de missionários passam em Tessalônica e fundam uma comunidade cristã (At 17, 1 – 9). Como os chefes da sinagoga perseguem Paulo, ele é obrigado a fugir para a Pereia. Depois, passa uns seis meses em Corinto. Ali, recebe notícias boas a respeito dos irmãos de Tessalônica. Então, junto com Timóteo e Silas, escreve essa carta para fortalecer a comunidade na fé e para responder algumas dúvidas e questões que aqueles irmãos lhe mandam perguntar.
A 1a Carta aos Tessalonicenses é o primeiro escrito de todo o Novo Testamento. Paulo a escreveu uns 20 anos antes de que saísse o primeiro Evangelho (Marcos). Embora a carta tenha sido escrita para responder a problemas concretos da comunidade daquela época, contém muitos elementos que podem ser atuais em nossa missão. Sem dúvida, o mais importante deles é que o evangelho não é apenas um ensinamento ou doutrina, mas a boa notícia do reino de Deus que vem através da manifestação (parusia) de Jesus, nosso Salvador. Por isso, o anúncio do evangelho só pode ser feito com a vida e não apenas por palavras. Pede de nós uma permanente mudança no nosso modo de ser e no modo de nos relacionar com os outros. Também supõe uma profunda abertura em relação aos problemas e necessidades do mundo no qual vivemos. Paulo e seus companheiros escreveram essa carta quando estavam refugiados em Corinto, perseguidos por chefes religiosos da sinagoga. Eles não foram perseguidos porque pregavam doutrinas diferentes. O Judaísmo da época tinha uma imensidade de grupos, cada um pregando interpretações diversas da Bíblia. Paulo e seus companheiros foram perseguidos pelos rabinos porque faziam comunidades inclusivas nas quais pobres, migrantes e gente considerada pelos religiosos como pecadoras eram todos/as acolhidos/as dentro da comunidade de fé e de vida. Esse é o chão a partir do qual devemos ler a Bíblia na realidade atual brasileira.
É bom lembrar que, na nossa arquidiocese, em 1968, quando nosso pastor Dom Helder Camara já tinha sua voz censurada pelos militares e não podia falar nos meios de comunicação, ele usou a Rádio Olinda e no mês da Bíblia de 1968 iniciou o programa de rádio “Encontro de Irmãos” para “devolver a Bíblia aos mais pobres”. Durante uma semana, o arcebispo falava durante três minutos, comentava um texto bíblico e propunha duas perguntas para que os grupos formados nas periferias de nossas cidades continuassem a discutir o assunto proposto. A acolhida foi tão boa e o resultado tão fecundo que o programa continuou indo muito além do mês da Bíblia. Durante anos, mobilizou muitos grupos populares para tempos fortes do ano litúrgico, como novena de Natal, a Quaresma, o mês da Bíblia e outros. E alguns anos depois (Pentecostes de 1974) começava oficialmente o Movimento de Evangelização Encontro de Irmãos que até hoje existe em nossa arquidiocese e continua a reunir os grupos e ligar o evangelho e a vida.
Que esse mês da Bíblia nos faça a todos, fieis leigos de todas as comunidades e paróquias da diocese, assim como também a todos os/as nós, ministros do Evangelho, religiosos/as, diáconos e padres, retomar o gosto da leitura e da meditação da Palavra de Deus na Bíblia, com profunda confiança de que essa Palavra transforma a nossa vida.
Em um de seus mais belos escritos, o sermão pronunciado em sua ordenação presbiteral, Gregório de Nissa, pastor da Igreja oriental, no século IV, propunha: “Imagine-se uma pessoa que caminha no deserto, sob o sol escaldante do meio-dia. Você está sedento e não tem água. De repente, à margem do caminho, eis uma fonte de águas límpidas e transparentes ali ao seu alcance. Sem dúvida, não lhe passará pela cabeça ficar raciocinando sobre a natureza da água, nem perder tempo com estudos sobre como aquela água chegou até ali. Você vai simplesmente aproximar-se da fonte, jogar o seu corpo por terra e beber daquela água até saciar”.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife