Pernambuco registrou, em 2022, 65 ocorrências de conflitos no campo, envolvendo 31.056 pessoas. O número é maior do que a população de 120 municípios do estado. O levantamento consta na publicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) “Conflitos no Campo Brasil 2022” divulgada nesta segunda-feira (24). O documento traz ainda outros números preocupantes sobre o cenário de martírio no qual se encontram os povos do campo, das águas e das florestas.
O episódio registrado que mais marcou o ano foi o assassinato da criança Jonathas Oliveira, de 9 anos, no Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, onde vive uma comunidade posseira em conflito por terra. Ocorrido no dia 10 de fevereiro de 2022, o crime, segundo a CPT Nordeste 2, revelou a face mais cruel da violência no campo e da omissão do Estado diante dos clamores por direitos e dignidade no campo.
Geografia dos conflitos no campo em Pernambuco
Por mais um ano, a Zona da Mata surgiu como a mais conflituosa do estado, reunindo 52,3% do total de ocorrências, seguida da Região Metropolitana do Recife, com 20%, Agreste, com 18,5%, e Sertão, com 9,2%.
A categoria que mais sofreu com esses conflitos foram os posseiros, presentes em 37% das ocorrências, seguidos das famílias sem-terra e de comunidades pesqueiras, ambas com 19% dos registros. Houve também registros entre famílias quilombolas (14%), pequenos proprietários (5%) e indígenas e assentados (3%).
Geovani Leão, agente pastoral e coordenador regional da CPT, explica que a maior parte dos conflitos existentes atualmente na Zona da Mata de Pernambuco está associada ao avanço da pecuária extensiva.
“Diversos empresários estão arrendando ou arrematando em leilões, a preços vis, terras de usinas falidas ou desativadas para impulsionarem a criação de gado”, ressalta. Esses vêm sendo denunciados sob a acusação de esbulho de posse, ameaças, perseguições, destruição de lavouras e outros tipos de violência contra comunidades e famílias agricultoras posseiras da localidade.
De acordo com a metodologia da CPT, os conflitos no campo no estado estão subdivididos em conflitos por terra (47 ocorrências), conflitos pela água (16 ocorrências) e conflitos trabalhistas (duas ocorrências).
Apesar da redução dos números de ocorrências de conflitos por terra em comparação com o ano de 2021, quando foram registradas 90 ocorrências, a situação não é animadora. Todas as localidades nas quais foram registradas ocorrências desse tipo de conflito seguem sem solução e, portanto, na iminência da eclosão de novos episódios de violência.
Para Geovani Leão, sem a presença do Estado para implementar a política da Reforma Agrária, Pernambuco poderá repetir de forma trágica o martírio de quem resiste por direitos e dignidade no campo.
O levantamento feito pela CPT ainda traz outros detalhamentos sobre os conflitos por terra no estado. Em 2022, 665 famílias foram vítimas de pistolagem; 235 tiveram suas terras ou territórios invadidos; 652 sofreram ameaças de despejo; e 321 roças foram destruídas.
Já os conflitos pela água destacam-se por apresentar um aumento de 220% em comparação com o ano de 2021, quando foram registradas cinco ocorrências. Nessa categoria, ressaltam-se os casos de contaminação por agrotóxicos.
O uso desses venenos como arma química tem sido denunciado pelas populações afetadas como uma estratégia para inviabilizar a permanência delas na terra ou no território em que vivem. Casos como esses ocorreram nas comunidades dos Engenhos Fervedouro e Barro Branco, localizadas no município de Jaqueira, Mata Sul de Pernambuco. As famílias agricultoras posseiras da localidade foram repetidas vezes surpreendidas com a pulverização de agrotóxicos, por meio de drones, em suas lavouras e fontes de água.
Nos conflitos pela água, destacaram-se ainda casos de impedimento do acesso à água, controle e apropriação, além de poluição que afetaram populações pesqueiras, povos e comunidades no Agreste, no Sertão e na Região Metropolitana do Recife.
Por trás dos dados apresentados na publicação “Conflitos no Campo Brasil 2022”, há mulheres, homens, crianças, idosos e idosas que resistem na esperança de viver e ver realizado o sonho da “terra prometida”. A CPT, por mais um ano, alerta a sociedade e as autoridades para a gravidade do problema que o país enfrenta por não garantir o direito à vida, à terra e à dignidade para milhares de pessoas que vivem no campo brasileiro.
Conflitos no campo Brasil
Esta é a 37ª edição da publicação Conflitos no Campo Brasil, elaborada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) por meio do seu Centro de Documentação Dom Tomás Balduino. Editada pela primeira em 1985, a publicação se tornou referência nacional e internacional e instrumento fundamental de denúncia das violências cometidas cotidianamente contra os povos do campo, das águas e das florestas no Brasil.
Na publicação, é possível encontrar dados sobre conflitos por terra, conflitos pela água, conflitos trabalhistas, trabalho escravo, tipos de violências contra a ocupação e a posse e tipos de violência contra a pessoa, como os assassinatos e as ameaças de morte. Também estão disponíveis na publicação diversos artigos e análises dos dados levantados.