Quaresma e Campanha da Fraternidade

Dom Antônio Fernando Saburido
Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife

É graça divina o fato de que, há mais de 50 anos, a nossa Igreja no Brasil liga a Quaresma à intensificação da solidariedade fraterna a partir da Campanha da Fraternidade (CF). Celebrar a Páscoa sem procurar viver a expressão social do amor seria ficar nos gestos, sem se preocupar com a coerência entre os gestos e a realidade. Cada ano, a CF nos ajuda a testemunhar que a salvação trazida pela morte e ressurreição de Jesus tem dimensão universal e deve atingir toda a humanidade e o cosmos.

Nesse ano, o tema da campanha é absolutamente central: Fraternidade e Vida: dom e compromisso. A irmandade que Jesus veio criar em nós e entre nós é para defender a vida como dom divino e compromisso de amor e solidariedade em relação a todos os irmãos e irmãs. Por isso, o lema deste ano é a palavra de Jesus ao contar a parábola do samaritano: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10, 33- 34).

Em anos anteriores, os assuntos da CF diziam respeito ao direito à moradia, à chaga da violência, ao problema do saneamento básico, à situação do tráfico humano, à situação agrária em nosso país e outros desafios muito concretos. Desta vez, aparentemente, o tema é mais genérico e vago: A CF 2020 nos chama a aprofundarmos o significado da vida e encontrar caminhos para que seja valorizada e defendida. Para isso, precisamos superar o que o papa Francisco tem chamado de “globalização da indiferença”. E só podemos fazer isso, se seguirmos o que Jesus disse, depois de contar como o samaritano cuidou do homem ferido à margem da estrada: Vai e faze o mesmo.

Como sempre, o texto-base da CF contém três partes: 1- o olhar sobre a realidade, 2 – o discernir o que Deus nos diz sobre isso que vemos, 3 – o que Ele nos pede como resposta ao desafio apresentado.

Na primeira parte, o texto fala do tipo de olhar que descuida da vida das pessoas e é responsável pela situação que vemos nas nossas cidades. Ao passar por qualquer rua, vemos pessoas jogadas como se fossem lixo. Todos sabemos da precarização da saúde e da educação em todo o Brasil. Dados oficiais revelam o aumento descomunal da desigualdade social que gera tantas injustiças. Em nossas cidades, além da violência que assola as relações humanas, diariamente, nas periferias, somos confrontados com o assassinato brutal de jovens, em sua imensa maioria pobres e negros. O mundo inteiro está preocupado com a ameaça que, no Brasil, pesa sobre os povos indígenas e sobre a natureza e os bens da terra.

Na segunda parte, somos convidados a assumir em nós a compaixão de Jesus. Devemos romper com a indiferença generalizada que vemos na sociedade. Em recente curso para agentes de pastoral de base em São Paulo, os participantes tiveram um encontro com um grupo de pessoas que moram nas ruas. Depois do encontro, várias dessas pessoas afirmaram que tinha sido a primeira vez que tinham se sentido olhadas como pessoas. Algumas confessaram que, em toda a sua vida, nunca tinham sido abraçadas por ninguém. Para elas, essa atenção e carinho foram mais importantes do que qualquer dinheiro ou comida que tivessem ganhado. Essa experiência também tem frequentemente ocorrido aqui em Recife com os nossos agentes de pastorais que trabalham com o querido povo da rua.

Na terceira parte, são propostas várias iniciativas comunitárias para gerar experiências de solidariedade e inclusão.  Em nossa arquidiocese, teremos todo esse ano marcado pela preparação próxima e organização do XVIII Congresso Eucarístico Nacional. É importante que essa Campanha da Fraternidade se una às iniciativas do Congresso. Só para citar um exemplo, o texto-base da CF propõe que toda a Igreja Católica no Brasil assuma e valorize a proposta do Dia Mundial dos Pobres que, há três anos, o papa Francisco pede que celebremos no 32º domingo comum do ano. Nesse ano, esse dia cairá exatamente no domingo 15 de novembro, dia de encerramento do Congresso Eucarístico. Com o tema “Pão para todas as mesas”, é importante que o Congresso em torno da Ceia de Jesus nos torne mais profundamente atentos e cuidadosos dos mais pobres que vivem em torno de nossas casas e paróquias.

Toda essa Campanha da Fraternidade está muito centrada na figura e no exemplo de Santa Dulce dos Pobres. Cada parte da reflexão do texto-base cita uma frase sua. Na segunda parte (p.45), aquela na qual se aprofunda a reflexão evangélica, o texto recorda que Santa Dulce dizia: “O importante é fazer a caridade, não falar de caridade. Compreender o trabalho em favor dos necessitados como missão escolhida por Deus”.

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