Reflexão XIV Domingo Tempo Comum: “A sabedoria dos que não falam” (Mt 11,25-30)

(Evangelho de Mateus 11, 25-30)

Eu sou manso e humilde de coração.

Naquele tempo, Jesus pôs-se a dizer:
25’Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra,
porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos
e as revelaste aos pequeninos.
26Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado.
27Tudo me foi entregue por meu Pai,
e ninguém conhece o Filho, senão o Pai,
e ninguém conhece o Pai, senão o Filho
e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
28Vinde a mim todos vós que estais cansados
e fatigados sob o peso dos vossos fardos,
e eu vos darei descanso.
29Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim,
porque sou manso e humilde de coração,
e vós encontrareis descanso.
30Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.

(Por: Mons. André Vital Félix da Silva, SCJ)

Muitas vezes no evangelho encontramos a afirmação: “Jesus subiu ao monte, a fim de orar a sós” (Mt 14,23). Contudo, muito pouco se diz sobre o conteúdo da sua oração. A perícope evangélica desse Domingo é uma pérola preciosa que nos ajuda a conhecer um pouco daquilo que era a oração de Jesus. Evidentemente, o mais importante da oração não é aquilo que dizemos a Deus, mas o que Ele nos diz, que uma vez acolhido será testemunhado pelas nossas atitudes, dispensando até mesmo as palavras.

Podemos identificar três elementos fundamentais da oração de Jesus como encontramos nesse relato. Antes de tudo, a oração de Jesus é ação de graças: “Eu te louvo, ó Pai”. É uma oração que explode de um coração cheio de gratidão, fruto de um reconhecimento diante daquilo que gratuitamente já foi oferecido pelo Criador, pois é Ele o: “Senhor do céu e da terra”. Esta ação de graças de Jesus não se perde em louvores genéricos, nem repetições vazias de palavras bem elaboradas e retoricamente bonitas, mas manifesta o reconhecimento diante da ação de Deus que não cria apenas o mundo, mas se faz presente na história concreta dos homens, revelando-lhes os seus desígnios e a sua vontade que é sabedoria para os simples e humildes.

Considerando que o mais importante na oração não são as palavras humanas, mas aquilo que Deus revela, só os pequeninos são capazes de acolher essa manifestação. A palavra que geralmente se traduz por pequeninos (grego: nepioi) tem uma conotação específica que ajuda a compreender a necessária atitude para quem reza. Pequenino em grego significa “aquele que não fala” (o bebê, infante). Sem dúvida, a capacidade de se expressar através da palavra é uma das experiências mais vislumbrantes, porém pode-se correr o risco de provocar um desequilíbrio a ponto de se fazer um mau uso das palavras, transformando-as em instrumentos de dominação das pessoas e manipulação ideológica da realidade.

A criança que ainda não fala não significa que não se comunica, mas o faz de modo mais intensivo pois é todo o seu ser que se expressa. A mãe que conhece intimamente o seu bebê compreende toda a sua comunicação, as suas necessidades, o que sente e está passando sem precisar ouvir uma só palavra. Mais do que a explicação de palavras que podem complicar, é a vivência profunda da relação que comunica o que há de mais necessário.

A própria tradição sapiencial atesta que o louvor perfeito vem dos pequeninos: “Quão poderoso é teu nome… Pela boca das crianças e bebês tu o firmaste…” (Sl 8,1s).

O segundo elemento da oração de Jesus é a sua consciência em relação ao Pai: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai”, reconhece assim a sua total dependência do Pai, e a sua condição de servo ao assumir a natureza humana, fazendo-se pequenino, passando também pela experiência de bebê, infante. Sendo Ele mesmo o Verbo eterno, a Palavra da vida, entra no mundo em silêncio e aprende a falar como homem cuja palavra atinge a sua forma mais perfeita e elevada na oração. Mais uma vez entre o Pai e o Filho não há palavras genéricas, conceitos teóricos, mas relacionamento, pois se conhecem, e isto não é possível sem convivência. A oração é experiência de conhecimento mútuo; o orante cresce no conhecimento de Deus com quem se relaciona e convive, e ao mesmo tempo toma consciência que Deus o conhece profundamente, e por isso não carece de suas informações, deseja apenas relacionamento amoroso.

O terceiro elemento é o convite: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos”, a autêntica oração torna-se testemunho de atração, convite para que outros também sintam o desejo e a necessidade de estabelecer relacionamento com Deus. A oração, mais do que palavras, é experiência de encontro que imprime no orante uma marca, algo que será visto pelos outros. Jesus ao convidar os cansados e fatigados a virem até Ele, está propondo um caminho a ser seguido, não apenas um lugar para acomodar-se: “Aprendei de mim”. Consequentemente, a oração é escola do discípulo. É lá que os simples e pequeninos ouvirão mais do que falarão.

Nessa oração de ação de graças de Jesus deve se espelhar toda oração cristã. Mais do que palavras de entendidos e sábios, a oração é escuta da Palavra que Deus dirige como convite a seguir seu Filho, e por isso exige a sabedoria dos que não falam: o silêncio de quem quer aprender.

 

Mons. André Vital Félix da Silva, SCJ. Nomeado Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte-CE em 10 de maio de 2017. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Professor nos Seminários de Campina Grande-PB e Caruaru-PE.

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