O Recife, cidade que sedia o Regional Nordeste 2 da CNBB, será a capital brasileira do diálogo ecumênico e inter-religioso em 2020. É o que ressalta um artigo publicado no último dia 21, no L’Osservatore Romano, jornal oficial do Vaticano.
No texto intitulado de “Superando a intolerância nos passos de dom Helder Câmara” o autor, Riccardo Burigana, destaca o número de eventos em níveis “locais, regionais, nacionais e internacionais pelo diálogo e sobre o diálogo” que a cidade se prepara para receber nos próximos meses.
De acordo com Burigana, a prioridade ao diálogo é um legado do episcopado de dom Helder, que dirigiu a Arquidiocese de Olinda e Recife de 1964 a 1985 e desde então a cidade mantém uma “cultura de diálogo que se opõe à onda de conservadorismo político e cultural”.
Leia o artigo na íntegra traduzido para o português por Thaís Chianca Bessa Ribeiro do Valle:
Superando a intolerância nos passos de Helder Câmara
No Recife, são esperadas nos próximos meses reuniões sobre diálogo ecumênico e inter-religioso
Somente com o diálogo se pode vencer a intolerância. Essas palavras resumem o programa de reuniões locais, regionais, nacionais e internacionais pelo diálogo e sobre o diálogo que a cidade brasileira do Recife e a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), regida pelos jesuítas, se preparam para receber nos próximos meses. Trata-se de uma escolha muito precisa em favor do testemunho cristão, baseado na escuta e no acolhimento do Outro, como se recorda o arcebispo de Olinda e Recife, Antônio Fernando Saburido, presidente da Comissão Regional Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da Conferência Episcopal Brasileira pelo Nordeste do Brasil (CNBB Nordeste 2).
O prelado enfatizou que o diálogo é o único caminho a seguir em tempos em que a proclamação da Palavra de Deus convive com uma generalizada e crescente intolerância, sobretudo no confronto sobre as tradições religiosas e os imigrantes. Por isto o diálogo ecumênico e inter-religioso se torna uma ferramenta insubstituível, como o Papa Francisco repetiu tantas vezes, para estabelecer a paz com a qual é possível superar este clima.
No Recife, a atenção ao diálogo tem sido uma prioridade desde a época do episcopado do Monsenhor Helder Câmara – que dirigiu a arquidiocese de 1964 a 1985 – tanto que foi criado um Observatório das Religiões, situado na Unicap, o qual deu vida a uma série de iniciativas públicas e projetos de pesquisa que, partindo das raízes da cidade do Recife, sempre imerso em uma dimensão cosmopolita, vêm alimentando o diálogo entre religiões e culturas.
Assim, é definida uma cultura de diálogo que se opõe à onda de conservadorismo político e cultural que está na base dessa intolerância, tão presente na sociedade brasileira contemporânea também por conta das ações e posicionamentos hostis dos fundamentalistas religiosos e políticos contra o ecumenismo, os quais vêm estabelecendo uma leitura distante daquela oferecida pelo magistério da Igreja Católica, conforme formulado no Concílio Vaticano II. O método ecumênico de construção da unidade e de respeito à diversidade, conforme enfatizado por Gilbraz Aragão, professor da Unicap, tem sido um instrumento precioso na recuperação de um patrimônio religioso e espiritual, que permitiu o diálogo com as religiões afro-brasileiras e com o Islã, por superar muitos preconceitos.
Diante dos desafios da intolerância, decidiu-se organizar um novo evento, em março, destinado a todos aqueles que, em vários níveis, estão empenhados no diálogo para reafirmar a centralidade da formação histórico-teológica em uma perspectiva religiosa que, precisamente à luz de experiências locais, saiba abrir novos horizontes para o enfrentamento na sociedade brasileira.
Em nível nacional, com a ambição de envolver estudiosos latino-americanos e europeus, se coloca a conferência sobre espiritualidade contemporânea, pluralidade religiosa e diálogo, prevista para abril, como um espaço muito especial dedicado à reflexão sobre o fundamentalismo. A conferência foi pensada para incentivar a contextualização da religiosidade “sectária e reacionária” gerada pelo fundamentalismo, com a finalidade de identificar caminhos teológicos abertos à pluralidade das tradições religiosas presentes no Brasil, e, assim, remover a intolerância e a discriminação.
Na definição desse programa, continua a ser fundamental a referência à memória de Helder Câmara, cuja fase diocesana do processo de beatificação acaba por finalizar-se. Para Luiz Carlos Luz Marques, professor da Unicap e autor de inúmeros estudos sobre o bispo brasileiro, a memória de dom Helder, promotor da Conferência Episcopal da América Latina e testemunho corajoso de recepção do Vaticano II, constitui um caminho privilegiado para a redescoberta da riqueza espiritual com a qual se lê a natureza e a história com os olhos do Próximo.
Texto original em italiano escrito e publicado por Riccardo Burigana em
http://www.osservatoreromano.va/it/news/vincere-lintolleranza-sulle-orme-dihelder-camara