Covid-19 e Semana Santa

Dom Genival Saraiva de França
Bispo emérito da Diocese de Palmares (PE)

A humanidade vive uma experiência, universalmente compartilhada, sem precedentes na história, qualquer que seja o ângulo de sua visualização, qualquer que seja o aspecto de sua consideração. Na história das civilizações, obviamente, há registros de fatos, situações que foram compartilhadas, positiva ou negativamente, a exemplo de guerras, calamidades, epidemias. Houve casos de pandemia. Todavia, em nenhum desses registros, identificam-se elementos característicos do Covid-19, como rapidez na disseminação geográfica e social, a extensão do problema e a simultaneidade no enfrentamento da pandemia. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia chegou a todos os continentes, a praticamente todos os países. A extensão é uma das características mais visíveis dessa pandemia porque envolve países ricos e pobres, atinge a economia de todas as nações, afeta a estrutura/organização/funcionamento das instituições, interfere na vida de todas as pessoas. Assim, a pandemia do novo coronavírus fala a todas as pessoas que manifestam suas reações, perplexidades, dúvidas, incertezas, ante o reconhecimento da fragilidade humana no presente e a insegurança em face do amanhã.

O cristão e a realidade temporal

Tendo consciência da dimensão eterna da sua existência, por serem membros da “cidade terrestre”, os cristãos vivem a realidade temporal, sustentados pela fé. Em sua relação com Deus, os cristãos contam com a fé que é uma virtude teologal. As virtudes teologais – fé, esperança e caridade, “têm como origem, motivo e objeto imediato o próprio Deus. São infundidas no homem com a graça santificante, tornam-nos capazes de viver em relação com a Trindade e fundamentam e animam o agir moral do cristão, vivificando as virtudes humanas.” Nenhuma pessoa pode prescindir da fé, enquanto busca sua comunhão com Deus, em qualquer circunstância. É oportuno fazer a observação sobre a importância da fé, no momento atual, diante do enfretamento do problema do novo coronavirus, um doloroso e preocupante capítulo da história da humanidade que está sendo escrito pela maioria dos países. Humanamente, ao considerar este problema, cada pessoa revela o seu estado de espírito, expressão da “situação emocional” a que é submetida, conforme as circunstâncias.

Semana Santa

A liturgia soleniza as celebrações da Semana Santa, dando especial atenção ao valor espiritual e ao fruto pastoral da face do mistério de Cristo que está sendo celebrado. Em razão do mistério que a Igreja celebra, “A Semana Santa é a semana das semanas”. Na espiritualidade da Igreja, no calendário litúrgico e na vivência religiosa dos fiéis, a Semana Santa ocupa um lugar especial. Precedida pelo Tempo da Quaresma, que faz parte do Ciclo da Páscoa, celebrada, solenemente, no Tríduo Pascal – Quinta Feira Santa, Sexta Feira Santa e Sábado Santo –, a Páscoa cristã, desde os primórdios do cristianismo, sustenta a vida dos cristãos, em sua condição de caminhantes, de peregrinos.

Semana Santa 2020

A Semana Santa de 2020 tem um rosto próprio, sob muitos aspectos, diante da realidade do Covid-19, entre os quais a necessidade de realizar as celebrações a portas fechadas. Entende-se logo que não se trata de uma decisão simples, considerando o peso da história, a força da Tradição e a vivência do dia a dia. Os fiéis sentem falta de sua Igreja, de sua comunidade; os ministros ordenados sentem falta de seus fiéis, de sua presença, de seus serviços. Todos sentem falta da alimentação da vida sacramental e de outras formas de fortalecimento da vida pessoal e comunitária.

Consciente de sua responsabilidade perante a população, a Igreja católica, nas diversas instâncias – Santa Sé, Conferências Episcopais, Dioceses – adotou esta e outras providências, ao acolher disposições normativas do poder público competente, de modo particular, em relação ao isolamento social. Nesse contexto, a comunidade cristã está sendo chamada pela Igreja a viver a Semana Santa, da melhor forma possível, acompanhando as celebrações, através das Redes Sociais, graças aos serviços da Pascom Paroquial.

Domingo de Ramos

No Domingo de Ramos, fala aos fiéis a acolhida festiva ao Servo Sofredor. Abençoados os Ramos, na sua oração, pede a Igreja: “Apresentando hoje ao Cristo vencedor os nossos ramos, possamos frutificar em boas obras. Mesmo sendo o início alegre e festivo da celebração da Páscoa, este Domingo é vivido com a linguagem da Paixão do Senhor, com o invoca a Igreja, na oração coleta: “Concedei-nos aprender o ensinamento da sua paixão e ressuscitar com ele em sua glória.”

Segunda, terça e quarta-feira da Semana Santa

Bíblica e liturgicamente, estes dias têm uma significação especial e uma importância própria dentro da Quaresma porque oferecem aos fiéis uma preparação próxima para o Tríduo Pascal. “Nestes três dias, Jesus e Seus discípulos estavam preparando-se para celebrar a Páscoa. Nestes primeiros dias da Semana Maior, fazemos grandes celebrações lembrando a Paixão de Jesus, o Encontro d’Ele com Sua Mãe e as dores dela. […] Então, estes três dias recebem o qualificativo de ‘santos’, porque a Misericórdia de Deus se manifesta de uma maneira muito especial.”

Tríduo Pascal

Na Quinta Feira Santa, em plena comunhão com a Igreja na sua face católica, o rosto próprio de cada Igreja Diocesana é celebrado com a renovação das Promessas Sacerdotais, na Celebração da Bênção dos Santos Óleos dos Catecúmenos e dos Enfermos e a Consagração do Óleo do Crisma. A presença do Bispo, que preside a Celebração, em comunhão com os Presbíteros e Diáconos, simboliza e realiza a união, a unidade preconizada por Jesus, em sua Oração Sacerdotal.

Diante da suspensão das celebrações com a participação dos fiéis, em razão da pandemia do Covid-19, a critério do Bispo diocesano e do presbitério, esse rito pode contar com uma participação representativa de presbíteros ou ser celebrado em outro momento.

Missa da Ceia

“Nesta missa, realiza-se a Cerimônia do Lava-pés, em que o celebrante recorda o gesto de Cristo, que lavou os pés dos seus apóstolos.” Para a celebração deste ano, seguindo a orientação da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Bispos diocesanos orientam os sacerdotes a suprimir esse gesto, ante a necessidade de se preservar a distância básica de cerca de dois metros entre as pessoas.

Instituição da Eucaristia e Instituição do Sacerdócio

Na Missa da Ceia do Senhor, a comunidade vive a Páscoa da Nova Aliança porque Jesus, ao invés da carne e sangue de cordeiro, se oferece ao Pai em sacrifício, transforma o pão no seu Corpo e o vinho no seu Sangue. Esse é o “mistério da fé!”, essa é a prova maior do amor de Cristo – dar-se, ele mesmo, em alimento aos seus irmãos e irmãs, seus discípulos e discípulas. Na celebração da Páscoa da Nova Aliança, Jesus institui os Sacramentos da Eucaristia e da Ordem. Com efeito, Jesus, contemporaneamente à instituição da Eucaristia, conferiu esse poder aos apóstolos – “Fazei isto em memória de mim” – instituindo, assim, o Sacramento da Ordem. O sacerdócio católico, em razão de sua origem, tem uma raiz apostólica. Em decorrência do mandado recebido – “Fazei isto em memória de mim – , os ministros ordenados, no grau presbiteral, por força do Sacerdócio Apostólico, exercem seu ministério, ao longo dos milênios, em todas as nações.

Sexta-feira Santa

A face do sofrimento está intimamente associada ao sofrimento cruento de Cristo na Sexta-feira Santa, a dor da traição, da negação e a experiência do abandono do povo e de muitos dos seus amigos tornaram sua Paixão extremamente dolorosa. O silêncio causado pela morte de Cristo fala da sensação de vazio da mente, da sensação de lacuna do coração dos discípulos e discípulas. O mistério do sofrimento, do mistério da cruz é causa de salvação, como anunciavam os profetas.

Através de muitas linguagens, as dores e os sofrimentos de Jesus, em sua Paixão e Morte, falarão à mente, ao coração e aos lábios dos fiéis, diante da gravidade e extensão das dores e sofrimentos do povo, profundamente atingido pelo coronavírus. Na Via Crucis de Jesus, Simão Cireneu aliviou o seu sofrimento ao carregar a sua Cruz. Na Sexta Feira Santa de cada ano, nas paróquias e comunidades, nos momentos celebrativos, nas caminhadas penitenciais, na Via Sacra sempre se faz referência à pessoa de Simão Cirineu por identificá-lo na pessoa de homens e mulheres que, de muitas maneiras, ajudam familiares, amigos, conhecidos, desconhecidos a carregarem a sua pesada cruz. Nesta Semana Santa de 2020, há muitas pessoas que, no exercício de sua profissão, como médicos, enfermeiros, policiais, prestadores de serviço, voluntários e outras, de forma solidária, dedicam sua experiência e seu tempo à causa de milhares de doentes e de suas famílias. Diante da gravidade do problema, o rosto sofredor da humanidade, desfigurado pelo Covid-19, é apresentado a Deus, na X Prece da Oração Universal:

“Pelos que padecem a pandemia do Covid-19

Oremos ao Deus da vida, salvação do seu povo, para que sejam consolados os que sofrem com a doença e a morte, provocadas pela pandemia do novo coronavirus; fortalecidos os que heroicamente têm cuidado dos enfermos; e inspirados os que se dedicam à pesquisa de uma vacina eficaz.

  1. Ó Deus, nosso refúgio nas dificuldades, força na fraqueza e consolo nas lágrimas, compadecei-vos do vosso povo que padece sob a pandemia, para que encontre finalmente alívio na vossa misericórdia. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.”
Vigília da Páscoa

Liturgicamente, a Vigília da Páscoa é “a mãe de todas as santas vigílias.” Nesta noite, “A Igreja mantém-se à espera da vitória do Senhor sobre a morte.” “O Sábado Santo é celebrado ao escurecer do dia, à noite. Até as luzes da Igreja são apagadas. Todo o povo se reúne na escuridão. Esta Liturgia é muito rica nos sinais, nos gestos e símbolos. É na Vigília Pascal que acontece a bênção do fogo. O Círio Pascal, uma vela bem grande, é aceso no fogo novo, trazendo o ano que estamos vivendo e duas letras do alfabeto grego, ou seja, o Alfa e o Ômega, que representam Jesus, nossa Luz, Princípio e Fim de tudo e de todos, Senhor do tempo e da história! […] A Vigília Pascal tem quatro partes fundamentais: Liturgia da Luz, da Palavra, do Batismo e da Eucaristia. É comum crianças e adultos serem batizados nesta celebração, quando todos renovam sua fé e confiança no Deus Altíssimo. A Palavra de Deus recorda toda caminhada do povo de Israel, aguardando o Messias, e apresenta Jesus como o verdadeiro Messias, Salvador. O Povo de Deus, pede a intercessão dos santos para que continuem perseverantes no seguimento de Jesus, que trouxe ao mundo uma Boa Notícia e alimenta-se da Eucaristia, remédio santo que cura as enfermidades do corpo e da alma.”

O Decreto da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos determina: “Para a liturgia batismal, mantenha-se unicamente a renovação das promessas batismais.”

A cerimônia da Vigília da Páscoa fala muito à espiritualidade dos fiéis, toca muito o coração dos paroquianos porque, nos “sinais”, “gestos” e “símbolos” desta “noite de alegria verdadeira”, o Mistério de Cristo é vivido por todos os cristãos que renovam as promessas batismais, por adultos e jovens catecúmenos que recebem os Sacramentos da Iniciação Cristã. O canto do Glória a Deus nas alturas e do Aleluia expressa a alegria da Igreja ao fazer, na Liturgia, o contagiante anúncio da Ressurreição.

Domingo da Ressurreição

“É o dia santo mais importante da religião cristã.”

“Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! (Mt 28,6”)

“Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres (Cl 3,1-2).” Madalena, Pedro e João vão ao túmulo e o encontram vazio. “De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos. (Jo 20, 9)”

Na oração da Missa do Domingo de Páscoa, a Igreja reza: “Ó Deus, por vosso Filho Unigênito, vencedor da morte, abristes hoje para nós as portas da eternidade. Concedei que, celebrando a ressurreição do Senhor, renovados pelo vosso espirito, ressuscitemos na luz da vida nova.”

“ESTE É O DIA QUE O SENHOR FEZ PARA NÓS: ALEGREMO-NOS E NELE EXULTEMOS!’

A solicitude da Igreja Diocesana/Paroquial, ao transmitir as celebrações da Catedral e da Matriz, não deixou seus fiéis desassistidos, espiritualmente, ao oferecer-lhes uma peculiar forma de participação nos atos da Semana Santa, chegando ao interior dos lares, que, nas atuais circunstâncias, também se tornaram lugares de culto das famílias. Dessa forma, manteve os diocesanos/paroquianos unidos ao próprio Jesus que disse “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei ali, no meio deles. (Mt 18,20)”

FELIZ PÁSCOA, irmãos e irmãs em Jesus Ressuscitado!

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