A Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lançou nesta quinta-feira, 12, o Observatório de temas raciais Dom José Maria Pires. A nova instância deve assessorar a CBJP no encaminhamento das matérias relacionadas aos temas de enfrentamento ao racismo, a promoção da igualdade racial e ações afirmativas.
O grupo, formado por membros da Igreja Católica e de outras denominações religiosas, também deve elaborar e compartilhar análises, trabalhos escritos e pareceres; promover pesquisas e eventos que estimulem o estudo, a discussão e a defesa de temas afetos à sua área de atuação; realizar iniciativas orientadas pelos princípios de defesa e aprofundamento da democracia, combate às desigualdades, discriminações e exclusões, com a promoção da justiça e da paz; além de apoiar as ações e iniciativas da Pastoral Afro-brasileira, fortalecendo sua ação evangélica e social. O Observatório ainda deve assessorar a CBJP nos espaços de articulação nos temas concernentes à promoção da igualdade racial e ações afirmativas no âmbito da Igreja e da Sociedade.
Mobilização
O lançamento do Observatório de temas raciais Dom José Maria Pires ocorreu em evento virtual, com a presença de agentes de Pastoral e organismos e lideranças de entidades negras, além de bispos. No início da videoconferência, o secretário executivo da CBJP, Carlos Daniel Seidel, recordou o processo de articulação que culminou com a concretização do observatório, a partir da mobilização de movimentos e da Pastoral Afro-Brasileira.
“Esse momento quer ser um momento de profecia, porque não dá mais para segurar tanta discriminação, tanto preconceito na sociedade brasileira e também nas próprias fileiras das nossas igrejas, marcadamente da nossa própria Igreja Católica Apostólica Romana. Nós não estamos aqui fazendo um observatório apenas para constatar, diagnosticar, nós estamos aqui justamente para fortalecer todas as iniciativas que visam fazer com que esse protagonismo ganhe espaço, voz, porque nós reconhecemos que, na pessoa de cada negro, de cada negra desse país está a voz de Jesus Cristo, de nosso Deus a clamar o reconhecimento por dignidade”, disse Daniel.
Ex-secretário executivo da CBJP, o advogado Carlos Alves Moura destacou que o observatório “é mais uma ferramenta nos seio das igrejas com a qual nós continuaremos com a luta para a superação do racismo, do preconceito, das discriminações e das desigualdades”.
Queremos respirar
O clamor que tomou as ruas do mundo inteiro neste ano, junto com a afirmação de que vidas negras importam, também foi lembrado na reunião. O arcebispo de Feira de Santana (BA), dom Zanoni Demettino Castro, falou do momento atual como um tempo em que “todos e todas queremos respirar”. Apesar da crise, há “grande esperança”, uma vez que se apresenta uma “oportunidade muito grande”, de acordo com dom Zanoni, que se alegrou ao apresentar o texto de estudos número 85 da CNBB – Pastoral Afro-Brasileira.
“A missão da Igreja é Evangelizar, dar uma notícia boa, tendo presente a concretude do nosso povo, a realidade presente da nossa gente, da qual a maioria absoluta é de afrodescendentes, e nós não podemos ficar indiferentes, alheios a essa realidade. Por isso eu acho bastante significativo e muito me alegro com essa oportunidade de ter esse encontro, essa partilha e formar essa rede para essa construção de um mundo de paz, de justiça, a paz que é desejo todos os povos e nações, desejo de um mundo que é o centro da vida de Jesus Cristo que se faz presente em cada sonho de cada povo e cada gente“, disse dom Zanoni.
Dom José Maria Pires
Conhecido popularmente como dom Zumbi, dom José Maria Pires foi o primeiro bispo negro do episcopado brasileiro. Bispo de Araçuaí (MG), em 1957, foi nomeado arcebispo da Paraíba em 1966, cargo ao qual renunciou em 1995, por motivo de idade. Atuou na Pastoral Afro-Brasileira e também na articulação dos bispos negros. Faleceu em 27 de agosto de 2017, aos 98 anos.
Padre Manoel Godoy, teólogo, ex-assessor da CNBB e professor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (Faje), proferiu a palestra sobre o tema “Desafios e Missão da Igreja na Causa dos Negros na perspectiva do Papa Francisco”. Após recordar momentos históricos da convivência com dom José Maria Pires, o presbítero falou da preocupação comum que emerge a cada passo da caminhada “de que a Igreja tem que anunciar um novo êxodo, uma saída do centro para as margens”, citando dom José Maria Pires no livro “Do centro para as margens”. Nesse sentido, ofereceu uma reflexão articulando o pensamento de dom José Maria Pires com o do Papa Francisco.
“Dom José não só pensou, mas atuou sempre nessa direção, saindo de qualquer autorreferenciamento eclesiástico para colocar a Igreja a serviço das classes que ficam à margem da sociedade, dentre elas , ele sempre destacou os afro-descendentes, pois junto deles fez a experiência de ser colocado à margem dos processos”, recordou.
Membros
Compõem o Observatório de Temas Raciais Dom José Maria Pires:
- Nuno Coelho (Coordenador) – Servidor Público Federal, Secretário Adjunto da CBJP e membro dos APNs
- Dra. Vera Lucia – Advogada, ativista do movimento de mulheres negras do DF e membra da CBJP
- Paulo Maldos – Psicólogo, Secretário Executivo do Centro de Assessoria e apoio a Iniciativas Sociais e membra da CBJP
- Dr. Carlos Alves Moura – advogado, Membro do Conselho Consultivo da USP, ex-presidente da Fundação Cultural Palmares e Ex-Secretário Executivo da CBJP
- Pe. Clovis Cabral (S.J) – Teólogo, Membro do Instituto dos Bispos, Padres e Diáconos Negros, Coord. Núcleo Estudos Afro e Indígenas (UCP)
- Irmã Maria Raimunda Costa (MJC) – Pastoral Afro de Brasília e Membro da Rede Um Grito Pela Vida
- Irmã Maria Luiza da Silva (RSF) – Advogada, Assessora Executiva da Conferência dos Religiosos do Brasil, Membra do Grupo de Religiosos Negros e Indígenas (GRENI)
- Conceição de Maria de Sousa e Silva- Professora, Gestora de Direitos Humanos do Governo do Estado do Piauí, militante dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil e do Movimento de Mulheres
- Pe. Bernardino (Missionários Combonianos) – Centro de Pastoral Afro de Salvador – BA
- Cristiane Sant Anna de Oliveira (CJP/MS) – Pedagoga e Membro da Comissão Justiça e Paz do Mato Grosso do Sul – Edmar Barbosa Bonfim – Yalorixá do Candomblé e Advogada
- Pastor Wladimir de Oliveira – Teólogo, membro da Pastoral da Redenção na Baixada Fluminense RJ e Coordenador Pedagógico
- Adriano Portela dos Santos – Reverendo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
- Yalorixa Mãe Tuca de Oxaguiã