[ARTIGO] Vida Religiosa: contradições e esperança

Pe. Calmon Malta

A Vida Religiosa (VR) é um florecer de Deus na Igreja. Isto é um fato inegável para nossa experiência de fé cristã e católica. Ao longo de séculos a VR se tornou um importante impulso para a ação pastoral de várias comunidades de fé. Muitos carismas nascem no seio do Corpo de Cristo, por desejo D’Ele, e se transformam em verdadeiras fontes evangelizadoras tanto no âmbito da Palavra como do testemunho, principalmente junto aos pobres, excluídos e marginalizados de nossa injusta sociedade.

Este testemunho de vida cristã demonstra o quanto Deus se coloca junto com o Seu povo, em contínuo peregrinar rumo a terra prometida, antes aos nossos pais no caminho libertador do deserto e agora conosco rumo ao Reino Eterno.

Neste peregrinar de Deus conosco, vê-se que mais do que nunca o ser humano necessita abrir o coração, deixar a teimosia de lado, confiar no Espírito do Senhor, ser mais solidário e misericordioso para com o próximo. A vida religiosa não pode deixar de lado o seu profetismo, sua forma de ser e de se apresentar na Igreja e no mundo (cf VC, 84 ).

Vivemos tempos de profundo relativismo não só de fé, mas de honradez. Olhamos para os lados e vemos horrores acontecendo como se nada nos atingisse ou falesse à nosso estilo de vida. Violência, maldade, fome, pobreza, guerras, corrupção, falsidades, alianças de poder e etc. Situações que sempre indignaram a VR e que parece hoje não tocar mais o profundo sentido profético de nosso ser na Igreja de Cristo, humilde, pobre e obediente. Em certo sentido, o modo “mundano” de um pensamento descartável, transitório ou “líquido” parece ter conquistado muitos dentro da VR. Esta forma irracional, destruidora e até demoníaca de pensamento não passa – no meu ignorante mode ver as coisas – de um “endeusamento” do “ser” e do “poder” em detrimento do servir. De uma vida onde se manter em cargos, lugares, modo de ser se torna uma batalha constante por parte dos fracos e empobrecidos de espírito e não uma clara consciência do servir ao Senhor.

É preciso lembrar que “o pregador do evangelho será aquele que, mesmo à custa de renúncias e sacrifícios, busca sempre a verdade que deve transmitir aos demais. Não vende, nem dissimula jamais a verdade pelo desejo de agradar aos homens, de causar assombro, nem por originalidade ou desejo de aparecer… Pastores do Povo de Deus: nosso serviço pastoral nos pede que guardemos defendamos e comuniquemos a verdade, sem olhar para sacrifícios” (EN 78).

No processo de anúncio da verdade do Reino deve-se colocar o Senhor em Seu devido lugar de honra. O retirar Deus do primeiro lugar de nossa vida pode levar cada um de nós ao distanciamento de Cristo e ao esfriamento da fé. A consequência disto, a VR se tornar um mero aglomerado de pessoas (e não comunidade) que se suportam em meio a burocracia da fé (fazer coisas). A manutenção de um ilusório “status” (poder) para o auto-serviço.

É tempo de escutar o Espírito Santo de Deus como inúmeros fundadores e fundadoras de comunidades religiosas. Ter a coragem de remar contra um modo destruidor, mas agradável, de se apresentar no mundo. É tempo de redescobrir que somos chamados por Deus para viver com Ele, Nele e para Ele constantemente. As coisas deste mundo passam como o ouro e a prata (cf. Mt 6,19-20) porém a Pavra de Deus é permanente (Mt 24,35). Como diria Giuseppe Colombero em seu livro vida religiosa, da convivência à fraternidade: ” ninguém bateria à porta de uma casa religiosa se não tivesse certeza de encontrar nela pelo menos o afeto que poderia receber no matrimônio e numa família natural” e ai da ” a certeza de sermos amados nos dá mais segurança do que o dinheiro e os bens materiais” (pg.5).

Deste modo, a Igreja, mãe da vida consagrada é “congregação daqueles que, crendo, vêem em Jesus o autor da salvação e o princípio da unidade e da paz” (LG 9). O papa Francisco nos convida a sair ao encontro do outro ao dizer: “saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! (…) Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças (EG, 49). Estas palavras tambem servem para a VR hoje. Deixar de lado o pensamento e estilo “mundano” de ser e viver a alegria contagiante de Deus no meio do povo no mundo de hoje que necessita do testemunho de cada cristão. “Um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes, uma nova alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora” (EG, 11).

Deus nos chamou para viver em um mundo contraditório, com pessoas, inclusive nós, contraditórias. Ele nos chamou porque acredita em nós, em nossa capacidade de vencer a incoerência e o negativisto. Deus nos chamou porque sabe e confia em nossa capacidade de amar verdadeiramente, de colocar o nosso coração no verdadeiro tesouro da vida, Jesus Cristo.

Pe. Calmon R. Malta, cmf
Missionário Claretiano

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