‘A boa política está a serviço da vida e da paz’

Dom José Luiz Ferreira Salles
Bispo de Pesqueira (PE)

No encontro com os bispos de TexasOklahoma e Arkansas nos Estados Unidos, em 20 de janeiro deste ano, o papa disse:  “Às vezes, as escolhas políticas que as pessoas têm que fazer podem parecer uma escolha entre apoiar uma ‘cobra’ ou apoiar um ‘dragão’, mas”, disse o Papa Francisco aos  bispos americanos, que “o trabalho deles é dar um passo atrás na política partidária e ajudar os fiéis a discernir com base em valores”.

Pois bem: o que desejo com essa mensagem é animar as nossas comunidades paroquiais a permanecerem unidas na fé, dando testemunho de Cristo também no exercício da cidadania que exige, de cada um, maturidade e discernimento para as eleições que se aproximam.

Depois de muitas discussões pelo país sobre se neste ano teríamos ou não eleições municipais, a Câmara dos Deputados aprovou a mudança das datas das eleições municipais de 2020, em razão da pandemia do novo coronavírus e as novas datas ficaram assim definidas: 1º turno em 15 de novembro e 2º turno em 29 de novembro.

É evidente que nos municípios do interior, independente das datas do pleito eleitoral, a campanha dos candidatos já é assunto de destaque, postagens, lives…  e, mesmo em tempos de distanciamento social, embala as conversas das feiras, bodegas, praças e como não poderia deixar de ser, também em nossas igrejas. É um assunto que até deixa o tema “coronavírus” em segundo plano da conversa… Os cochichos, as alianças e até mesmo porta a porta, contrariando o recomendado isolamento social. Há de se registrar ainda que muita gente aproveitou os transtornos causados pela pandemia para oferecer uma cesta básica, uma máscara, um vidro de álcool gel… mas com olhos (mesmo sem poder dar uma tapinha nas costas) na possibilidade de ali conseguir votos para o pleito que se aproxima.

Eleições para vereador, prefeito e vice-prefeito despertam maior interesse do povo a campanha mexe com mais intensidade com os ânimos da gente. Pudera! É no município que a gente mora, trabalha, estuda, educa os filhos, faz compras, se diverte, busca atendimento de saúde, coleta lixo, trata de água e esgoto, precisa de iluminação pública, transporte, segurança e todos os serviços necessários à vida cotidiana. A política do município tem significado concreto no cotidiano das pessoas. O que entra em discussão nas eleições municipais interfere diretamente em nossas vidas. Afinal os candidatos fazem parte da comunidade, são mais conhecidos pela população. É necessário, portanto, que voltemos nosso olhar, o nosso ver, nossa análise, para a nossa cidade, o nosso município, o nosso bairro, a nossa comunidade. Como eles estão? Como foram administrados nos últimos quatro anos?

Estamos vivendo em nosso país uma profunda crise da Democracia. Isso fica mais evidente nos municípios, principalmente nos menores, pois grande parte da responsabilidade pela execução das políticas públicas cabe aos municípios, mas a maior parte dos programas sociais dos municípios depende de repasse do Estado ou da União. Assistimos, atualmente, a um sucateamento das políticas públicas no país que tem feito sofrer ainda mais a multidão de empobrecidos em nossas cidades.

A democracia está também ameaçada hoje por razões bem mais graves do que o solitário oferecimento do voto em troca de pão. A ameaça parte da corrupção dos que se apossam de verdadeiras fortunas de dinheiro do contribuinte. Ameaçam a democracia ainda os governantes incompetentes e todos aqueles que apenas se preocupam com os interesses de seu grupo. Por isso, não esqueça que o voto é a nossa melhor arma para alcançarmos a democracia. Este momento das eleições municipais é uma excelente oportunidade para aprofundar e melhorar a participação responsável de todos os cidadãos nos destinos de nossas cidades. Portanto, seja responsável! Pense muito bem antes de dar o seu voto! Leia, observe, analise:

  • Não podemos jamais fugir de nossa responsabilidade afinal, não há parlamentar eleito sem voto;
  • Jamais venda seu voto! Apesar de que a prática de compra de votos tem sido coibida, ela ainda existe nas nossas cidades; nunca é demais lembrar que “voto não tem preço, tem consequências”
  • O voto no Brasil é secreto. Isso significa que você tem todo o direito de não anunciar a ninguém qual será seu voto, se assim você quiser;
  • Na hora de votar na urna, você terá privacidade para escolher seu candidato e o registro do voto será anônimo – os eleitores não podem ser identificados pelos seus votos;
  • A política está nas mãos de todos nós e tem tudo a ver com cidadania. Todos somos cidadãos-políticos e por isso temos os mesmos direitos e deveres frente à sociedade em que vivemos.

É importante votar, mas mais valioso ainda é acompanhar os eleitos. A democracia possível é aquela na qual os resultados das eleições nos tornam corresponsáveis pelos candidatos eleitos e suas atitudes. Por isso, é fundamental acompanhar os políticos eleitos para nos certificarmos se cumpriram suas promessas. Precisamos saber se os aprovamos ou reprovamos para uma próxima legislatura.

Precisamos convencer o maior número de pessoas que o voto é o principal meio de promover mudanças para melhor. Se formos eleitores e eleitoras omissos, se nos escondermos em nosso pequeno mundo e se não nos preocuparmos com o que acontece ao nosso redor, então acabaremos elegendo maus políticos, maus administradores públicos, corruptos e irresponsáveis diante da vida do povo.

Com a pouca formação política e as carências do nosso povo, grande número de maus candidatos entram na política e ali vivem por muito tempo como se fosse uma profissão. É o chamado político profissional, que faz da política uma atividade lucrativa, busca sempre mordomias e vive envolvido em escândalos de corrupção, além de tratar o eleitor como mera mercadoria nas eleições. É um tipo de sujeito que se prolifera na realidade da política brasileira. Para mudar esta situação, precisamos ajudar a escolher candidatos confiáveis, que tenham Ficha-Limpa e compromissos com a realidade social de cada comunidade.

Neste período que antecede as eleições, exortamos a todos para que participem dos debates e reflexões sobre os programas dos partidos e as qualidades dos candidatos. Sejam prudentes, respeitosos e fraternos em suas afinidades e em suas divergências. Tenham cuidado com as fake news, coloquem-se dispostos a discernir, serena e responsavelmente, para tomar suas decisões.

A Igreja não tem partido! Como Instituição, propõe-se a fornecer critérios éticos para as escolhas e ação política. São eles: a justiça, a solidariedade, a dignidade humana, o respeito à pessoa, a defesa e a inclusão dos membros mais frágeis e desprotegidos da sociedade.

Aos padres e agentes de pastoral recomendo a prudência e o zelo pela comunhão na comunidade eclesial. Tenham o cuidado necessário para que a disputa político-partidária não venha a ser, em nossas pastorais, movimentos e serviços, causa de divisão e enfraquecimento do projeto de evangelização na paróquia e na diocese. Jamais permitamos que a “politicagem eleitoreira”, causa de grandes embates, intrigas e males maiores na comunidade, afetem o nosso projeto maior: o Reino de Deus entre nós.

É orientação da Igreja Católica Apostólica Romana que os membros do clero, em vista da sua missão religiosa, abstenham-se de exercer cargos políticos ou de militar nos partidos (cf. CDC 285, § 3). A política partidária é o espaço de atuação dos cristãos leigos e leigas, que neles podem exercer melhor o seu direito e dever de cidadania, orientados pelos princípios da fé e da moral cristã, e contribuírem para a edificação do bem comum.

Também aqueles que exercem alguma função de destaque na comunidade paroquial  e resolveram disputar as eleições como candidatos, se afastem da função que exercem para que possam participar devidamente do processo eleitoral sem causar maiores transtornos, mal entendidos ou constrangimentos, e nem criar mal-estar na comunidade de fé e entre os batizados. Recomendo aos Párocos e Administradores Paroquiais a devida atenção e providências neste sentido.

Os templos e os lugares de culto, bem como os eventos religiosos, não devem ser usados para propaganda eleitoral partidária (Lei 9.504, art. 37, § 40). A Igreja Católica Apostólica Romana valoriza a liberdade de consciência e as escolhas autônomas dos cidadãos. A religião não deve ser usada como “cabresto político”, e as comunidades da Igreja não devem ser transformadas em “currais eleitorais”. Os Párocos e os Administradores paroquiais cuidem para que os espaços da paróquia e comunidades – inclusive seus canais e demais mídias virtuais – não sejam utilizados para atividades que possam denotar propaganda, privilégio ou proteção a alguma sigla partidária, sobretudo no púlpito. Por isso, não se permita aos candidatos que se utilizem desses espaços, não se dê a palavra a candidatos durante as missas, celebrações, reuniões, videoconferências ou alguma outra atividade realizada pela comunidade paroquial, nem se permita que circulem panfletos ou que seja veiculada qualquer tipo propaganda eleitoral nestes espaços e eventos. Cabe salientar que não é permitido – nem lícito – o fornecimento de endereços ou demais informações para contatos de qualquer dos membros da paróquia nem de seus vários conselhos e coordenações.

Encaminho esta mensagem para ser apresentada ao Povo de Deus em cada paróquia, nas comunidades, movimentos, organizações e pastorais desta Igreja Particular. Seja ainda reproduzida e distribuída às lideranças, enviada aos meios de comunicação, compartilhada nas redes sociais e devidamente registrada no Livro de Tombo das paróquias.

Que o Espírito Santo nos inspire tudo o que for bom e justo, para a glória de Deus Pai, e que o Evangelho de Cristo seja luz para as nossas decisões e atitudes. Empenhemo-nos na tarefa de ajudar a construir uma sociedade justa, fraterna e solidária.

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