Em diversas passagens da Sagrada Escritura encontram-se referências a elementos da natureza, a bens da natureza, comparáveis, comparados à ação da graça de Deus na vida do ser humano. Um desses elementos é a água. Vista no seu nascedouro, a água que brota da fonte, sempre gera e sustenta a vida. Com efeito, “água é vida”. Tendo essa certeza, Santo Efrém, (séc. IV), considerava a Palavra de Deus uma “fonte inexaurível de vida”. Em razão da simplicidade da linguagem e da clareza de sua comparação, qualquer pessoa, sedenta de água e da Palavra de Deus, entende o seu ensinamento: “Que inteligência poderá penetrar uma só de vossas palavras, Senhor? Como sedentos a beber de uma fonte, ali deixamos sempre mais do que aproveitamos. A palavra de Deus, diante das diversas percepções dos discípulos, oferece múltiplas facetas O Senhor coloriu com muitos tons sua palavra. (…) O sedento enche-se de gozo ao beber e não se aborrece por não esgotar a fonte. Vença a fonte a tua sede, mas não a tua sede a fonte. Pois, se tua sede se sacia sem que a fonte se esgote, quando estiveres novamente sedento, dela poderás beber. Se, porém, saciada tua sede, também se secasse a fonte, tua vitória redundaria em mal. (…) Dá graças, então, pelo que recebeste. Pelo que ainda restou e transbordou não te entristeças. Aquilo que recebeste e a que chegaste é a tua parte. O que sobrou é a tua herança. Se, por fraqueza tua, em uma hora não consegues entender, em outras horas, se perseverares, poderás recebê-lo. Não te esforces, com maligna intenção, por beber de um só trago aquilo que não pode ser tomado de uma vez. Não desistas, por indolência, de tomá-lo aos poucos.” Por certo, a maioria das pessoas conhece “fontes de águas correntes”, no mundo da natureza; conhece também fontes que se esgotaram; por experiência, sabe qual é a diferença dessa situação, por suas conhecidas consequências. Claramente, sabe-se que não se encontra na natureza a causa do esgotamento das fontes; está comprovado que, via de regra, a causa da morte das fontes se encontra na humanidade, em decorrência de intervenções desastrosas de pessoas e instituições, de omissões irresponsáveis de políticas públicas. No plano da graça, a Palavra de Deus é uma fonte de “água viva”, fonte inesgotável de vida e de espiritualidade, em qualquer tempo e contexto.
Um outro bem da natureza – o mel – peculiar por seu sabor, foi comparado por São Bernardo, abade, (séc. XII), à graça da sabedoria: “todos nós a buscamos, todos nós a desejamos. (…) Queres saber como está perto a sabedoria? Perto está a palavra, no teu coração e na tua boca; mas somente se a procurares de coração reto. No coração encontrarás a sabedoria, e a prudência fluirá de teus lábios. Cuida porém de tê-la em abundância e que não te escape como num vômito. Na verdade, se encontraste a sabedoria, encontraste mel. Não comas demasiado, para que, saciado, não o vomites. Come de modo a sempre teres fome. A própria sabedoria diz: Aqueles que me comem, ainda têm fome. Não julgues já teres muito. Não te sacies para que não vomites e te seja retirado aquilo que pareces possuir, por teres desistido de procurar antes do tempo. Pelo fato de a sabedoria poder ser encontrada enquanto está perto, não se deve deixar de buscá-la e invocá-la. De outro modo, como disse ainda Salomão: assim como não faz bem a alguém tomar o mel em demasia, assim quem perscruta a majestade, sente-se oprimido pela glória.” Deus dotou o ser humano de um dom precioso – a sabedoria. Está ao alcance de todos, diferentemente do conhecimento que é adquirido mediante caminhos, meios e tempos muito diferentes na história das pessoas.
A Igreja, mediante a oração, o jejum e a esmola, oferece aos fiéis a oportunidade de viver a Quaresma como um “tempo oportuno” para viver a Palavra de Deus, fonte de vida, de espiritualidade, de caridade. Nesse “tempo favorável”, o cristão é chamado a saciar sua sede na fonte de água viva, Deus, e a encontrar na sabedoria o sabor da fraternidade, da solidariedade.
Dom Genival Saraiva
Bispo Emérito de Palmares – PE