Dom Genival Saraiva de França
Bispo emérito de Palmares (PE)
A natureza é um prodígio. Um antigo estudioso da natureza, Empédocles (492 a.C. – 430 a.C.), cosmólogo de Agrigento, hoje cidade da Sicília, atribuiu a origem do universo a quatro elementos: “terra, fogo, água e ar”. A pessoa mais simples e o cientista/pesquisador mais experiente e mais atualizado veem a natureza, com suas respectivas óticas de leitura e de observação. O conhecimento humano, alcançado de forma empírica ou científica, retrata os passos da história das civilizações, ao longo dos milênios. O conhecimento empírico, “resulta das observações e das experiências das pessoas. Em outras palavras, parte de um conhecimento popular, que tem origem nas observações do cotidiano.” Por sua vez, o conhecimento científico “é a informação que analisa os fatos cientificamente comprovados. Sua base está na filosofia da ciência, em que todas as suposições, teorias e hipóteses passam por um processo de comprovação através de uma série de pesquisas e experimentos.” A experiência comprova que os dois modos de conhecer a realidade têm seu lugar e sua importância na história humana, porque estão na base do olhar sobre o passado, da forma de compreender e viver o presente e ao enxergar o futuro dos indivíduos e da coletividade. Portanto, essa maneira de se posicionar em face da história tem sua significação para o indivíduo, sob pena de se dizer que “passou pela vida, não viveu”, e para a coletividade, ante a necessidade da formulação de políticas públicas, de curto, médio e longo alcance.
O retrato da terra não tem mais a beleza e a harmonia do “paraíso terrestre”, haja vista a devastação identificada pelas pessoas no seu próprio chão. Porventura, pode alguém comportar-se de modo cético e, pior ainda, ter uma atitude negacionista diante do desequilíbrio ecológico? Infelizmente, a posição dos negacionistas causa um mal muito grande no momento, cujas consequências repercutirão na vida das futuras gerações. O planeta terra está sendo devastado por excesso ou escassez dos elementos água e fogo, como registra a crônica cotidiana mundial, como se vê no mapa mundi, graças à sofisticação da tecnologia espacial dos instrumentos de observação, à distância. A normalidade das leis da natureza, confirmada pelas leis da física, até um passado recente, está alterada, de forma preocupante, quanto ao elemento água, conforme recentes dados da ciência: “Entre 1900 e 2000, os oceanos e os mares do planeta subiram cerca de 14 centímetros, por causa do degelo, principalmente, no Ártico”. […] O século passado ‘foi excepcional em comparação com os últimos três milênios e a elevação no nível dos oceanos acelerou nos últimos 20 anos’.” As cidades e áreas litorâneas já conhecem esse fenômeno e se valem de técnicas que, provavelmente, podem ser paliativas, considerando-se um “futuro próximo”. A queda pluviométrica, em milímetros acima do normal, com as enchentes e inundações que provoca, deixa graves sequelas na vida das pessoas, na segurança de suas moradias e na produção de alimentos. A mesma coisa acontece em relação ao elemento fogo, como se constata com as elevações do calor e da temperatura: “calor é uma grandeza física que pode ser definida como a energia que é transferida de um corpo em maior temperatura a outro em menor temperatura”. A incidência de queimadas das florestas e o aumento do calor, principalmente nos centros urbanos, é uma realidade no mundo. Nesse conjunto de coisas, o outro elemento da natureza, o ar, absolutamente indispensável à vida de qualquer criatura, está sendo afetado, diretamente, na contemporaneidade. Com efeito, a poluição ambiental atinge a qualidade de vida de todas as criaturas porque está relacionada com o processo de industrialização, com a exploração descontrolada dos recursos minerais, com a utilização de produtos químicos na produção agrícola, sem o devido controle de qualidade, e com muitos outros meios ofensivos à natureza.
Ao deparar-se com essa face da “casa comum”, o Papa Francisco afirma, na Encíclica Laudato Si’, que “Nada deste mundo nos é indiferente”. Nessa linha, cita São Paulo VI, na Encíclica Pacem in terris: “Por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, [o ser humano] começa a correr o risco de destruí-la e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação.” A esse respeito, cita também São João Paulo II, na Encíclica Centesimus Annus, porque “o ser humano parece ‘não se dar conta de outros significados do seu ambiente natural, para além daqueles que servem somente para os fins de um uso ou consumo imediatos’. Mais tarde, convidou a uma conversão ecológica global.” Com sua compreensão, escreve o Papa Francisco: “A destruição do ambiente humano é um fato muito grave, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido das varias formas de degradação.
Ao focar a leitura dos elementos da natureza no território e na demografia nacional, é preciso que a sociedade brasileira procure conhecer os dados do Censo Demográfico 2022, divulgado pelo IBGE. É de esperar que nenhuma pessoa de bom senso, nenhuma instituição séria e nenhuma instância do poder público desconsiderem os dados do Censo, uma vez que nele está o retrato do País, no tocante à estatística e às faixas etárias da população, às condições de vida das pessoas, à moradia, à alimentação, à escolarização, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à diversidade regional, à vida no campo, na cidade, com os indispensáveis serviços, como o saneamento básico.
Sem terra, fogo, água e ar, a natureza não existiria. Hoje, está subsistindo com eles, porém, está pagando ônus muito alto porque o ser humano está se comportando, globalmente, de modo indiferente ou agressivo, diante da beleza original da natureza. Deus criou o mundo, na perfeita harmonia entre natureza e as criaturas. A ciência e o magistério da Igreja advertem para o fato de estar a população mundial se tornando “vítima dessa degradação”, causada irresponsavelmente por quem deveria zelar pela preservação da natureza. É possível, é necessário cuidar da “casa comum”. “Será que o Senhor nos exorta a algo que supera nossa natureza e a grandeza do preceito ultrapassa as forças humanas? Não é assim, pois ele não ordena serem pássaros aqueles que não têm asas, nem a viverem dentro da água os que destinou à vida terrestre.” (São Gregório de Nissa, séc. IV).