Dom Genival Saraiva
Bispo emérito de Palmares (PE)
O mês de setembro, no Brasil, afervora o sentimento nacional, em razão da comemoração do Dia da Independência. A comemoração anual do Dia da Pátria tem o registro da história, com o indispensável estímulo ao crescimento da consciência de cidadania. Além do enaltecimento a pessoas e conquistas do passado, essa data acorda a geração atual para fazer da brasilidade um efetivo “sentimento de afinidade ou de amor pelo Brasil” que se traduz numa participação concreta que vise a superação das gritantes desigualdades sociais, políticas e econômicas. Nessa linha, como se sabe, nenhuma conquista relevante na vida de um país democrático acontece sem o envolvimento da população que se vale dos mecanismos de participação que estão contemplados no “ordenamento jurídico”. No Brasil, entre as formas de participação está o direito de votar, de dois em dois anos, que será exercido, mais uma vez, nas próximas eleições de novembro. Em cada eleição e, desta vez, no âmbito municipal, a consciência de cidadania deveria revelar-se mais amadurecida no ato de escolha dos candidatos a cargos eletivos. Lamentavelmente, não é isso que se constata no País, como demonstram a habitual prática de muitos políticos, a repetida conduta de muitos eleitores e os inúmeros casos de corrupção identificados por órgãos públicos. Em resumo, as formais lições de cidadania transmitidas na Semana da Pátria não estão sendo assimiladas, adequadamente, pela população brasileira.
A cada ano, durante o mês de setembro, Setembro Amarelo”, a “campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015” fala ao coração da sociedade, em razão de muito sofrimento causado pelo elevado número de suicídios. Na verdade, esse é um problema mundial, com estatística anual em torno “de 800 mil” casos. No Brasil, esse número chega a “cerca de 12.000 casos todos os anos.” Essa estatística é muito preocupante, por se caracterizar como problema de saúde pública e por provocar grande dor no coração das famílias e amigos dos suicidas. Com certeza, a dor causada pelo suicídio é incomparável com qualquer outra “causa mortis”. Na visão de estudiosos do assunto, “O suicídio é fenômeno complexo e multifacetado, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, classes sociais, idades, orientações sexuais e identidades de gênero. Dentre as intervenções universais de prevenção, destacam-se as relativas à restrição aos meios de suicídio (controle de armas de fogo e de acesso a agrotóxicos), a redução do uso prejudicial do álcool e outras drogas e a conscientização da mídia para comunicação responsável sobre o tema.” De fato, entre os suicidas encontram-se pessoas com perfil diversificado, de crianças a idosos, de pessoas comuns às de “notório saber”, de ateus a ministros ordenados – diácono, presbítero, bispo, religiosos/as, de pessoas aparentemente sadias a portadores de doenças crônicas, de “pobres de Jó” a ricos que vivem nababescamente. Que causas provocam o suicídio? “Entre as principais causas que levam uma pessoa a acabar com a própria vida estão problemas como depressão, abuso de drogas e situações temporais que despertam forte carga emocional, como o fim de um relacionamento amoroso ou a perda de um emprego.” Dentre essas causas que chegam ao âmago da fragilidade humana, sobressaem a depressão e outras doenças psíquicas. dadas as circunstâncias que as envolvem, muitas pessoas, mesmo contando com o apoio da família e o acompanhamento de profissionais da saúde, não têm condições de “ver a luz no fim do túnel”; na verdade, para elas não existe esse túnel de saída. Por lhes faltar perspectivas de vida, vão de encontro ao princípio da lei natural que deixou inscrito no seu ser “o instinto de autoconservação.”
O olhar solidário e cristão sobre pessoas com propensão à prática do suicídio e sobre quem provocou a autodestruição deve ter como chave de leitura a compaixão, a misericórdia. O Papa Francisco falou sobre “o suicídio, a realidade da morte e a misericórdia de Deus” nesses termos: “O suicídio seria como fechar a porta à salvação, mas tenho consciência de que nos suicídios não há plena liberdade. Pelo menos acredito nisso. Ajuda-me o que o Cura d’Ars disse à viúva cujo esposo se suicidou jogando-se de uma ponte em um rio. Disse: ‘Senhora, entre a ponte e o rio está a misericórdia de Deus’.” Recentemente, por ocasião do “Dia Mundial para a Prevenção do Suicídio”, o Papa Francisco voltou a tratar do suicídio, especialmente entre os jovens: “o número de suicídio de jovens, está em aumento, mas os governos, não todos, não publicam os números exatos: publicam-no até certo ponto, porque é vergonhoso. E por que os jovens se enforcam e se suicidam? Em quase todos os casos a principal razão é a falta de trabalho. Não conseguem se sentir úteis.” O Papa enxerga um horizonte, ao dizer: “o problema tem solução, mas precisa encontrar o ponto certo, há necessidade da palavra profética, há necessidade de criatividade humana, fazer muitas coisas.” Em relação aos suicidas, o Catecismo da Igreja Católica (n. 2282) ensina: “Distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou da tortura podem diminuir a responsabilidade do suicida.” E conforta “as pessoas próximas de quem cometeu tal ato”: “Não se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Deus pode, por caminhos que só ele conhece, dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.” (n. 2283)
O mês de setembro, com as educativas linguagens da cidadania e da prevenção ao suicídio, toca a consciência e chega ao coração de todos. O espírito de cidadania responsabiliza os brasileiros, diante das históricas desigualdades sociais, com forte apelo à adoção de políticas públicas que tenham como objeto a justiça social. Em face dos crescentes índices de suicídio, é importante valorizar a vida ou resgatar o sentido da vida, em qualquer situação, sabendo que “Somos administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela.” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2280)