Dom Genival Saraiva
Bispo emérito de Palmares (PE)
O ser humano tem a capacidade de viver bem, de conformidade com o seu mundo interior, e de conviver bem, de acordo com os princípios e as práticas da civilidade. Os sentimentos são expressões da natureza humana, enquanto gestos, atitudes e condutas de vida revelam a natureza da educação recebida no lar e na sociedade. A personalidade humana é um universo maravilhoso, prodigioso, todavia, nem sempre escrito ajuizadamente pelo próprio indivíduo, nem sempre lido adequadamente por seus semelhantes. Daí, a constatação de tantos problemas na vida e na convivência. De antemão, é preciso ter a necessária clareza: nada disso é atribuído ao destino, como muitos pensam, nem existe por força do determinismo, como outros explicam. Para quem assim pensa, “tudo aquilo que acontece ao homem ou no mundo é determinado por acontecimentos passados e que podem ser de caráter natural ou sobrenatural.” As ciências humanas, as ciências sociais e as ciências da saúde, nos seus respectivos campos, contribuem para a compreensão da personalidade humana, na sua feição individual e coletiva. Na investigação de determinados fenômenos, conforme o nível do conhecimento alcançado pelos estudos, pelas pesquisas, as ciências têm como parâmetro a relação entre causa e efeito. À luz da revelação divina e no olhar da filosofia clássica, a liberdade é a chave de leitura fundamental para compreensão das manifestações mais genuínas, mais simples, mais sadias ou a identificação das marcas mais complexas, mais problemáticas, mais dolorosas da personalidade humana.
Pelo bem que fazem e dada a sua importância, cabe um destaque para as manifestações genuínas, vividas coletivamente, de forma contextualizada. Considere-se, por exemplo, o calendário cultural brasileiro e, particularmente, nordestino, no período junino, com a riqueza e a diversidade de suas manifestações folclóricas. Esse tempo festivo proporciona à população a oportunidade de vivenciar sentimentos de alegria coletiva que são benéficas, na medida em que, na sua realização, são observados os requisitos básicos da segurança, da paz, do lazer. A programação dos eventos tem perfil próprio, segundo as condições locais. Os antigos afirmavam que belo é tudo aquilo que agrada à vista. Ao lado do que é belo, há de se ter presente também o que é bom. Todavia, em muitos casos, o que agrada aos olhos e é bom para o estômago das pessoas nem sempre tem o selo da transparência, da honestidade, como constatam os Tribunais de Conta, ao fazerem a apreciação dos registros da contabilidade dos eventos, apresentada pelos gestores públicos. Assim, como divulga a crônica jornalística, há Municípios que pagam cachês exorbitantes aos artistas, se comparados com os pagamentos por serviços ordinários prestados pelos funcionários à população. Vale lembrar que, no seu tempo, os Imperadores romanos, propositadamente, ofereciam ao povo “pão e circo”, com esse intuito: “Assim, esses eventos tinham a função de entreter a plebe, despolitizando a mesma e evitando contrapontos políticos aos imperadores como reivindicações ou levantes populares. Também tinham a função de aumentar a popularidade dos líderes romanos.”
Outro evento, recentemente, chamou a atenção da humanidade porque teve como foco os sentimentos das pessoas. Ao promover um encontro com humoristas do mundo, um fato inusitado, por sinal, o Papa Francisco demonstrou sua capacidade de perceber o alcance de iniciativas, aparentemente desprovidas de maior significação, por serem corriqueiras. Com efeito, em seu magistério, o Papa Francisco tem revelado a capacidade de “enxergar o óbvio”, vendo logo o bem-estar do interior das pessoas, revelado na espontaneidade do seu sorriso. O gesto do Papa demonstra o elevado grau de sua ternura paterna, de sua sensibilidade pastoral, ao reconhecer o valor dos profissionais do humor e ao estimular o uso de seus talentos e carismas, em favor da coletividade. De fato, a arte do humorista penetra no íntimo do ser humano, ao falar aos seus olhos, aos seus ouvidos. Nisso consiste o humor: “Lato sensu, humor é o estado de espírito de um indivíduo. Stricto sensu, é um determinado estado de ânimo cuja intensidade representa o grau de disposição e de bem-estar psicológico e emocional de um indivíduo.” A palavra do Papa, destacando a leveza da alegria que o humor suscita, alude à realidade vivida por segmentos da sociedade atual: “Em meio a tantas notícias sombrias, imersos como estamos em tantas emergências sociais e também pessoais, vocês têm o poder de espalhar a serenidade e o sorriso. Vocês estão entre os poucos que têm a capacidade de falar com pessoas muito diferentes, de diferentes gerações e origens culturais”.
A Igreja dirige preces ao Senhor em favor de todos os artistas: “Vós, que tornais os artistas capazes de exprimir a vossa beleza, por meio de sua sensibilidade e imaginação, fazei de suas obras uma mensagem de alegria e de esperança para o mundo.” Na sua veneração à Virgem Maria, a Igreja a distingue com essa invocação singular – Nossa Senhora do sorriso” –, e identifica a sua origem: “Nossa Senhora do Sorriso foi o nome dado por Santa Terezinha do Menino Jesus a Nossa Senhora das Vitórias, quando ela (santa Terezinha) foi curada de uma grave enfermidade pelo sorriso que Nossa Senhora lhe deu.” No cultivo da sua espiritualidade mariana, os fiéis recorrem à sua proteção: “Nossa Senhora do Sorriso, como um dia sorriu a Santa Teresinha e a curou de todas as suas enfermidades, assim cure a todos nós das doenças do corpo e do espírito, da depressão, da tristeza e do desânimo e nos devolva a alegria de viver.”
Os sentimentos, as palavras e os gestos humanos que geram a alegria e motivam o sorriso nas pessoas têm o traço da criação divina. A palavra alegria encontra-se em inúmeras páginas da Sagrada Escritura e o sentimento de alegria está revelado na vida e nos gestos solidários, fraternos de muitos homens e mulheres que têm seus nomes inscritos no livro da vida. (cf. Ap 21,27)