Dom Genival Saraiva
Bispo emérito de Palmares (PE)
Num olhar sobre o “o que quer que seja”, é muito comum a pessoa fazer um olhar sobre a realidade com base no fator tempo. Santo Agostinho fala do tempo na sua tríplice face – presente, passado e futuro: “se nada passasse, não haveria tempo passado; se nada sucedesse, não havia o tempo futuro; e se agora nada houvesse, não existia o tempo presente.” Nesse olhar, a pessoa faz comparação, encontra semelhança, identifica diferença entre o que é recente ou remoto, atual ou antigo, novo ou velho, presente ou passado, presente ou futuro. Cada indivíduo faz isso enquanto atento cultor do caráter investigativo ou como despretensioso leitor da história, movido por espírito de pesquisa elaborada ou por deleite intelectual, por amor à ciência ou por simples curiosidade, conforme a sua lente de leitura da realidade. O objeto dessa leitura é muito diversificado, podendo ser de natureza religiosa, histórica, social, cultural, política.
É nessa ótica que todas as pessoas veem a pandemia do coronavírus e fazem suas considerações. O calendário civil, por muitas linguagens, induz qualquer pessoa a ler a realidade de hoje, confrontando-a com a face de ontem e enxergando o amanhã, com interrogações, incertezas, expectativas e esperanças. Isso está acontecendo a essa altura de 2020, em todo o mundo, no contexto da pandemia. Nesse contexto, o Papa Francisco escreveu na Carta Encíclica “Fratelli Tutti” (Todos irmãos): “Além disso, enquanto redigia esta Carta, irrompeu de forma inesperada a pandemia da Covid-19, que deixou descobertas as nossas falsas seguranças. Apesar das várias respostas que deram os diferentes países, ficou evidente a incapacidade de agir em conjunto. Embora estejamos superconectados, verificou-se uma fragmentação que tornou mais difícil resolver os problemas que nos afetam a todos. Se alguém pensa que se trata apenas de fazer funcionar melhor o que já fazíamos, ou que a única lição a aprender é que devemos melhorar os sistemas e regras já existentes, está negando a realidade.” (n.7) […] “É verdade que uma tragédia global como a pandemia da Covid-19 despertou, por algum tempo, a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, em que o mal de um prejudica a todos.”(n.32)
Países do mundo asiático e europeu vivenciam o segundo “fim e início de ano”, sob o estigma da pandemia. Esse mal, sem precedentes na humanidade, deixa trágicas consequências no mundo, em razão de mais de um milhão de mortes e sequelas dolorosas em mais de setenta milhões de infectados. Nos países latino-americanos, incluído o Brasil, as pessoas, as famílias e a população vivem o primeiro “fim e início de ano” com a indesejada, porém necessária, “marca registrada” do isolamento social, do distanciamento interpessoal, do uso de máscara e de outros procedimentos contidos nos protocolos de prevenção da covid-19, emitidos pelos poderes públicos. As estatísticas da pandemia fotografam o rosto desfigurado da população brasileira com um próximo e triste registro de duzentas mil mortes e passam de sete milhões os casos confirmados de infecção pela covid-19. Seguramente, a maioria, se não a totalidade, das pessoas tem diante de si o peculiar pano de fundo de 2020, com a marca existencial de suas dores e lágrimas, em face de vítimas fatais, perdas materiais e prejuízos financeiros, causados pela pandemia.
Mesmo vivendo em meio à penumbra dessas aflições, é necessário que as pessoas vislumbrem, com a luz da sua razão e a pulsação da esperança em seu coração, a aurora da superação desse grave problema, através de mudanças de comportamento individual e coletivo e da adoção de políticas públicas pertinentes, como a aguardada vacinação em massa da população. Diante desse mal, os cristãos sabem que “a esperança não decepciona”. (Rm 5,5)