Que nossa Páscoa seja sem fim, Dom Antônio Fernando Saburido, OSB.

Que nossa Páscoa seja sem fim

“Desperta, tu que estás dormindo. Levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará” (Ef 5, 14 ).

 

Essa palavra inspiradora do anúncio da Páscoa soa, hoje, para cada um/uma de nós como chamado para sairmos do torpor ao qual somos tentados a cair no dia a dia da vida. Ela nos pede uma nova atitude que corresponde a quem sai da escuridão para a luz e do sono para a vigilância. Como, no século IV, dizia São Gregório de Nissa, “devemos passar de uma vida morta para uma vida verdadeiramente viva”.  Entramos agora no tempo da Quaresma, tempo litúrgico que a Igreja nos dá para nos ajudar a viver esse processo de renovação, tanto no plano pessoal, como comunitariamente como Igreja.

No primeiro domingo da Quaresma, o evangelho de Marcos nos relata: “Logo depois do batismo, o Espírito o fez sair para o deserto. Lá, durante 40 dias, foi posto à prova por Satanás. Ele convivia com as feras e os anjos o serviam. Depois que João foi preso, Jesus veio para a Galileia, proclamando a boa nova de Deus: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa Nova” (Mc 1, 12- 15).

No início de cada Quaresma, ao marcar com cinzas cada fiel, a Igreja retoma essas palavras de Jesus: “Converte-te e crê na boa nova“.  A boa nova não é apenas uma doutrina religiosa e sim a notícia de que Deus vai realizar no mundo o seu projeto de amor, justiça e paz. É importante interiorizar o que pode significar para nós, hoje, esse apelo de Deus para a nossa conversão. Só podemos pedir conversão aos outros se nós mesmos, tanto em nosso modo de ser, como no pensar e agir damos testemunho e exemplo de metanoia, mudança de mente.

Nesse ano, o Brasil vive um momento político muito difícil. As posturas têm se tornado muito polarizadas e, algumas vezes, radicalizadas. Mesmo grupos de amigos e irmãos da mesma família se encontram em posições opostas. Na Igreja, isso não poderia ser diferente. Cada um de nós tem sua sensibilidade e é livre para tomar as posições sociais e políticas que sua consciência inspira. O importante é que a nossa postura política não seja desligada da fé e da opção do seguimento de Jesus. Como Igreja, não devemos ser partidários. No entanto, isso não significa ser neutros. O Evangelho nos aponta os caminhos de uma Igreja em saída e sempre a serviço dos mais empobrecidos. Conforme o evangelho, temos obrigação ética e espiritual de nos colocarmos contra governos que tiram direitos dos trabalhadores. Devemos nos pronunciar contra candidatos que propõem a violência e o militarismo como soluções para os problemas sociais. A proposta do papa Francisco de uma Igreja em saída e que se comprometa no serviço aos mais pobres, se concretiza no apoio à caminhada dos movimentos, comprometidos com a Doutrina Social da Igreja. No ano que passou a nossa arquidiocese refundou a Comissão Justiça e Paz. Essa está iniciando um excelente trabalho e todas as paróquias podem aproveitar dessa bela experiência. A Campanha da Fraternidade nos chama a viver a não violência e o diálogo como caminhos para a fraternidade.

Ao convivermos com pessoas de todas as classes sociais, frequentemente ouvimos que um grande desafio é como manter a esperança e como reacender nas pessoas a chama da solidariedade. A Quaresma nos convida a unir profundamente um percurso de justiça e solidariedade à conversão pessoal permanente. É preciso celebrarmos essa Páscoa de forma que ela nos deixe  frutos permanentes.

Convido os irmãos padres e diáconos, religiosos/as e todos/as os irmãos/ãs que coordenam as celebrações a realizá-las em um estilo verdadeiramente pascal. Tanto no nosso modo de nos relacionar com os outros, como no jeito de celebrarmos, precisamos ser testemunhas vivas e felizes da ressurreição de Jesus, força que nos alimenta e nos sustenta. É importante que quem participa de nossas liturgias, saia verdadeiramente alimentado em sua fé e reanimado no seu caminho espiritual. Por isso, não podemos celebrar de forma meramente mecânica ou legalista. Na liturgia não pode haver piloto automático. Cada celebração deve expressar nossa comunhão afetuosa e acolhedora das pessoas. Recomendo especialmente que demos atenção especial ao Tríduo Pascal e mais ainda à Vigília Pascal, que Santo Agostinho chamava “mãe de todas as vigílias da Igreja”. Celebrar aqui e agora o memorial da morte e da ressurreição de Jesus é atualizar para o nosso povo o amor que Jesus manifestou em cada palavra, em cada gesto e atitude que tomou, até o fato de dar a sua vida pela humanidade.  Que celebremos a festa pascal com gestos profundos e sinceros do nosso afeto e carinho. Assim, poderemos experimentar a verdade daquilo que, no século IV, dizia São João Crisóstomo: “Mesmo no meio dos sofrimentos, o Cristo ressuscitado faz de nossas vidas uma festa contínua”.  Que Deus os abençoe com esta bênção pascal.

 

 

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB

Arcebispo de Olinda e Recife

 

 

 

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