Dom Jaime Vieira Rocha
Arcebispo de Natal (RN)
Prezados/as leitores/as,
A Igreja, dentro do Ano Litúrgico, dará uma pausa no Tempo Comum, neste ano na 7ª semana, dia 22 de fevereiro, quarta-feira de cinzas, para iniciar outro tempo litúrgico, o Tempo da Quaresma. Serão 40 dias de experiência de conversão, de exortação para que o nosso espírito esteja purificado para celebrar o centro do Ano Litúrgico: a Páscoa da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, este ano a 9 de abril. Viveremos, como Igreja no Brasil, a experiência da Campanha da Fraternidade com o tema: “Fraternidade e fome” e lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).
O Tempo da Quaresma é pura graça para nós. Não se trata de fazer violência ao nosso corpo, de atitudes grosseiras com a nossa condição humana. Pelo contrário, trata-se de cuidar de nossa vida para que entendamos o imenso amor de Deus por nós, manifestado em Jesus Cristo. Trata-se de um tempo em que somos chamados a nos desvencilhar do que é supérfluo, do que nos maltrata, nos humilha e nos deixa nas trevas, humilhando e maltratando nossos semelhantes e até a nossa casa comum. É uma verdadeira graça de conversão, de fortalecer-nos para enfrentarmos as tentações que nos fazem andar sem sentido num mundo marcado por tantas orientações desnorteadoras.
Neste ano em que somos conduzidos pelo Evangelho de São Mateus, Ano A, a Palavra de Deus nos apresentará a atitude de Jesus de vencer as tentações na força da Palavra. O Tempo da Quaresma é tempo de deixar que a Palavra nos fortaleça, nos anime e nos faça compreender que a vida é graça e vocação. Jesus vence as tentações com a firmeza de quem conta sempre com Deus. Eis o que dá sentido ao nosso caminhar de fé: Deus está sempre conosco. Contamos sempre com Ele. Depois, a Palavra nos iluminará com a transfiguração de Jesus. Queremos ser purificados? Ouçamos a voz da nuvem que envolveu Pedro, Tiago e João, no monte Tabor: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!”. A experiência da conversão nos coloca nesta escuta da voz do Pai. Diante de tantas vozes dissonantes, confusas, cheias de engano, a voz do Pai é agregadora, clara, certa e cheia de ternura. No terceiro domingo da Quaresma, o encontro de Jesus com a samaritana nos expõe a dinâmica da conversão: Jesus nos encontra, dialoga conosco. Ele revela a verdade de nossa vida. Não é motivado pelo desejo de humilhar-nos, de fazer-nos envergonhados, ou ainda, de maltratar-nos. O ditado “a verdade doi”, não se aplica a Jesus em relação à verdade de quem somos – Ele não entristeceu a samaritana – antes, a fez propagadora de sua mensagem. A conversão não nos faz grosseiro, amargos, tristes. Quaresma não significa encobrir o rosto, tornando nosso olhar terrificado ou apavorado. Saímos renovados quando encontramos a luz que é Jesus. No quarto domingo da Quaresma, a cura do cego de nascença nos lembra que Jesus nos liberta das trevas e nos faz homens e mulheres cheios de luz, capazes de ver a graça libertadora do Crucificado por amor. No último domingo da Quaresma, antes de entrarmos na Semana Santa, tendo como início o Domingo de Ramos, a Palavra nos apresentará a ressurreição de Lázaro. Cristo é a ressurreição e a vida. Ninguém morrerá se está com Ele. E mesmo aqueles que já experimentaram a morte, estes estão vivos para sempre com Ele.
Durante os 40 dias desse tempo de penitência temos a graça de refletir sobre o que é a nossa vida, qual o sentido da vida, o que nos motiva a viver. Como membros da comunidade de Jesus, a Liturgia quaresmal nos levará a uma intensa experiência de retiro, isto é, de podermos fazer silêncio e escutar a voz de Deus que continua clamando: “Hoje, não fecheis o vosso coração, mas ouvi a voz do Senhor” (Sl 94, Antífona). Eis o primeiro e fundamental modo de viver a Quaresma: “ouvir a voz do Senhor”. A sua é uma voz que esclarece nossas ideias, aponta o caminho certo e seguro, revela o sentido da vida e dá motivos para viver e ser no mundo imagem de Deus.