Planeta Terra às avessas

Dom Genival Saraiva de França
Bispo emérito de Palmares (PE)

A Palavra de Deus e a ciência leem a realidade do mundo, do momento da criação à sua fisionomia atual, por ângulos próprios, porém convergentes, em muitos aspectos, e, sem dúvida, nunca opostos. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica, “A verdade de Deus é a sua sabedoria que comanda toda a ordem da criação e do governo do mundo. Deus, que sozinho criou o céu e a terra, é o único que pode dar o conhecimento verdadeiro de toda coisa criada na sua relação com ele.” (CIC n.216) Na Sagrada Escritura, a expressão ‘céu e terra’ significa: tudo aquilo que existe, a criação inteira. Indica também o nexo, no interior da criação, que ao mesmo tempo une e distingue céu e terra: ‘A terra”, é o mundo dos homens; ‘O céu’ ou ‘os céus’ pode designar o firmamento’, mas também o ‘lugar’ próprio de Deus: ‘nosso Pai nos céus’ (Mt 5,16)” (CIC n.326) “Foi Deus mesmo que criou o mundo visível em toda a sua riqueza, diversidade e ordem. […] A beleza do universo: A ordem e a harmonia do mundo criado resultam da diversidade dos seres e das relações que existem entre eles.” (CIC n.337.341) Deus dotou o ser humano de uma “faculdade” excepcional, a inteligência, que o instiga a investigar “n” questões de maior ou menor significação, ao longo de sua vida. Isso se revela muito cedo, na fase dos “porquês” das crianças que têm “a curiosidade de entender como as coisas acontecem.” As respostas são dadas pela ciência, como fruto das investigações dos estudiosos, ao longo do tempo, e assimiladas pelas pessoas, no processo de seu desenvolvimento. 

Questões que fazem parte da história, nos seus mais remotos traços, que têm a marca da contemporaneidade e que vislumbram a face do amanhã sempre interpelam a racionalidade humana. “Sem dúvida, a inteligência humana já pode encontrar uma resposta para a questão das origens. Com efeito, a existência de Deus Criador pode ser conhecida com certeza através de suas obras, graças à luz da razão humana, ainda que este conhecimento seja muitas vezes obscurecido e desfigurado pelo erro.” (CIC n.286) 

A questão das origens é vista com a iluminação da fé e/ou da ciência, conforme a perspectiva do olhar de quem faz sua investigação, ao fazer sua leitura sobre o mundo. A esse respeito, não diverge o olhar da fé e a constatação da ciência: “A beleza do universo: A ordem e a harmonia do mundo criado resultam da diversidade dos seres e das relações que existem entre eles.” Há muito tempo, constata-se que “a harmonia do mundo criado” está agredida, ferida, de diversas maneiras, haja vista “O que está acontecendo com a nossa casa”, como escreve o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si: “Poluição e mudanças climáticas”, “Deterioração da qualidade de vida humana e degradação social”. Considerando as médias históricas dos registros da meteorologia, em todos os continentes, manifestam-se as consequências do desequilíbrio ecológico, do aquecimento global, com o degelo dos polos, “em ritmo acelerado”, chuvas desproporcionais em muitas partes do mundo, reduzida queda pluviométrica em outras, incêndios causados por “fatores humanos e naturais”: queimadas em terras de agricultura e pastagem, provocadas pela ação humana, incêndios em florestas, causados por raios e outros. Assim, as consequências das mudanças climáticas são registradas na natureza, na vida das pessoas, na economia mundial. Tudo isso é visto no Brasil pela cor vermelha da realidade natural e social que, lamentavelmente, está sendo escrita, com letras garrafais. Hoje, o planeta terra está às avessas, se confrontado com suas origens, quando o homem e a mulher administravam a ordem criada, em harmonia com todos os seres, “quando foram criados.” (Gn 2,4) 

Embora o processo de reversão do atual quadro de degradação ambiental seja lento porque “a natureza não dá saltos”, como demonstra a ciência, é preciso que as pessoas, os poderes públicos mundiais e as instituições da sociedade, fundamentados nos dados inquestionáveis da ciência, abracem, a tempo, a causa do universo que deve ser, necessariamente, considerado na preocupante configuração do momento. Como ensina o Papa Francisco na Laudato Si, “O meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos. Quem possui uma parte é apenas para administrá-la em benefício de todos. Se não o fizermos, carregamos na consciência o peso de negar a existência dos outros.” Para os que creem, cuidar do mundo é uma exigência da fé, para todos é um ato de responsabilidade coletiva.

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