Palavra de Deus: eficaz, penetrante, vivificante

Dom Genival Saraiva de França
Bispo de Palmares (PE)

A Palavra de Deus é fonte permanente de alimentação para todas os cristãos, qualquer que seja o estágio do cultivo de sua espiritualidade – da iniciação à vida cristã à vivência mais profunda do sagrado, de sua experiência mais forte do divino. Em razão de sua própria história de vida, todos sabem que, comumente, o primeiro anúncio da Palavra de Deus lhes chegou através do testemunho familiar, a partir de sua participação nas celebrações na comunidade, por meio da catequese formal, através da leitura individual ou de outras formas, em circunstâncias as mais variadas. Graças à sua sabedoria e ao seu espírito de observação da realidade, Jesus compara a Palavra de Deus à semente lançada em terreno diversificado e associa a sua assimilação às motivações e aos cuidados/descuidos de quem a acolhe, portanto, de conformidade com a natureza do terreno de sua mente e de seu coração – beira do caminho, chão pedregoso, cheio de espinhos, terra boa. (cf. Mc 4,3-8) Santo Efrém, (séc. IV), “foi um enamorado da Palavra de Deus: ele a meditava, explicava, escrevia em versos e em música e a cantava. E não o fez simplesmente para satisfação de seu refinado gosto artístico, mas para que a fé fosse enraizada na cultura do seu povo.” O perfil deste Santo está confirmado neste seu texto: “Que inteligência poderá penetrar uma só de vossas palavras, Senhor? Como sedentos a beber de uma fonte, ali deixamos sempre mais do que aproveitamos. A palavra de Deus, diante das diversas percepções dos discípulos, oferece múltiplas facetas. O Senhor coloriu com muitos tons sua palavra. Assim, quem quiser conhecê-la, pode nela contemplar aquilo que lhe agrada. Nela escondeu inúmeros tesouros, para que neles se enriqueçam todos os que a eles se aplicarem. A palavra de Deus é a árvore da vida a oferecer-te por todos os lados o fruto abençoado, à semelhança do rochedo fendido no deserto que, por todo lado, jorrou a bebida espiritual. Comiam, diz o Apóstolo, do alimento espiritual e bebiam da bebida espiritual. Se, portanto, alguém alcançar uma parcela desse tesouro, não pense que este seja o único conteúdo desta palavra, mas considere que encontrou apenas uma porção do muito nela contido. Se só esta parcela esteve a seu alcance, não diga que essa palavra seja pobre e estéril, nem a despreze. Pelo contrário, visto que não pode abraçá-la totalmente, dê graças por sua riqueza.”

“Que inteligência poderá penetrar uma só de vossas palavras, Senhor?” A compreensão da Palavra de Deus é uma graça que está ao alcance de todos os discípulos do Senhor. O anúncio do Evangelho é o exemplo mais claro da força da palavra que é compreendida pelos sábios pequeninos, pobres, doentes, mas, de fato, rejeitada pelos entendidos, mestres e doutores da Lei; na verdade, tratava-se de rejeição à pessoa de Jesus e, consequentemente, ao seu ensinamento. O autor da Carta aos Hebreus ensina que “a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes.” (Hb 4,12) “A assembleia litúrgica é o lugar onde a Palavra de Deus se torna novamente presente e eficaz. É ela que convoca, reúne e recria a assembleia, formando a Igreja. Trata-se de uma palavra viva e vivificante. […] Na assembleia celebrante, a Palavra de Deus é viva e eficaz. Encontra corações abertos e dispostos.” A Palavra é proclamada, celebrada e vivida, ao longo do Ano Litúrgico. Assim, a comunidade cristã-católica vive, agora, nas celebrações litúrgicas, o Ciclo da Páscoa que “vai da Quarta Feira de Cinzas até a solenidade de Pentecostes”, iniciando, portanto, o Tempo da Quaresma que vai da Quarta Feira de Cinzas até a Quinta Feira Santa, pela manhã, uma vez que, à tarde, começa o Tríduo Pascal. “Na Missa do Crisma reúne-se a Igreja local. Não só o clero, mas toda Igreja como povo sacerdotal, profético e real. […] Na Missa vespertina da Ceia do Senhor dá-se especial realce ao mistério da Eucaristia. Também aqui os mistérios celebrados podem ser vistos numa linha unitária. […] Poderíamos dizer que na Quinta Feira Santa a Comunidade eclesial celebra o mistério da Igreja nascida no mistério pascal de Cristo.”

Há 60 anos, o período quaresmal é vivenciado, no Brasil, com uma faceta própria, a realização da Campanha da Fraternidade. Realizando-se na Quaresma, “pretende ser uma ajuda para vivê-la mais intensamente. […] A Cf situa-se mais no campo do anúncio da Palavra de Deus, ou seja, da evangelização e da catequese prolongada na Escola da fé, concretizada nos encontros, círculos de estudos, grupos de reflexão etc. […] Nesta perspectiva, a Campanha da Fraternidade, com seu tema e se lema, poderá servir de pano de fundo da pregação homilética.” Como faz, há vários anos, também em 2024, o Regional Nordeste 2 da CNBB apropria-se, pastoralmente, do tema – Fraternidade e Amizade Social – e do lema – Vós sois todos irmãos e irmãs – (cf. Mt 23,8), fazendo chegar às comunidades o conteúdo do Texto Base, com seus momentos de oração, como a Via Sacra e a oração da CF, nos encontros de reflexão, sempre iluminados pela Palavra de Deus que tem riqueza própria com “muitos tons”, como o chamado à conversão, a graça da misericórdia, o espírito de penitência, a busca do perdão de Deus, a concessão do perdão “a quem nos tem ofendido”, o exercício da solidariedade, mediante o gesto da doação na “Coleta da solidariedade”,  e o cultivo da fraternidade. Fraternidade, vista este ano, com a face da Amizade Social.

Como na comunidade dos Tessalonicenses, cabe, hoje, ao discípulo de Cristo agradecer e se comprometer com o anúncio da Palavra de Deus que é eficaz, penetrante, vivificante: “Agradecemos a Deus sem cessar por vós terdes acolhido a pregação da palavra de Deus, não como palavra humana, mas como aquilo que de fato é: Palavra de Deus, que está produzindo efeito em vós que abraçastes a fé.” (1Ts 2,13)

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