Mundo atual

Dom Genival Saraiva de França

Bispo emérito de Palmares (PE)

Nos seus trabalhos, de 1962 a 1965, os Padres Conciliares se debruçaram sobre temas de suma importância, em razão de seu caráter bíblico, teológico, litúrgico, social, daí a promulgação de alguns de seus documentos sob a forma de Constituição Apostólica que “é um documento do Magistério Pontifício, ou seja, promulgado pessoalmente pelo Santo Padre, cujo conteúdo, com valor de decreto, abrange o ensinamento definitivo da Igreja a respeito de um determinado assunto. Trata-se, portanto, de um tipo particularmente solene e importante de documento da Igreja.” Foram aprovadas pelos Bispos e promulgadas pelo Papa quatro Constituições. Sacrosanctum Concilium (O Sacrossanto Concílio): “Tipo constituição apostólica […]. Tema: a liturgia e as modificações desejadas pelos participantes do Concílio no culto da Igreja. Promulgação: Papa Paulo VI, 4 de dezembro de 1963.” Lumen Gentium (A Luz dos Povos):“Tipo: constituição dogmática. Tema: a natureza e a constituição da Igreja como instituição e como Corpo Místico de Cristo. Promulgação: Papa Paulo VI, 21 de novembro de 1964.” Dei Verbum (A Palavra de Deus): “Tipo: constituição dogmática. Tema: a relação entre as Sagradas Escrituras e a Tradição. Promulgação: Papa Paulo VI, 18 de novembro de 1965.” Gaudium et Spes (A Alegria e a Esperança): “Tipo: constituição pastoral. Tema: a Igreja no mundo contemporâneo e seus desafios concretos. Promulgação: Papa Paulo VI, 7 de dezembro de 1965.”

Em relação, particularmente, à Constituição Gaudium et Spes, compreende-se, logo, que se trata da ação pastoral da Igreja na sua relação com o mundo contemporâneo, como expressa o seu proêmio: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história.” Na sua estrutura, a Constituição Pastoral é “formada por duas partes, constitui um todo unitário. E chamada ‘pastoral’, porque, apoiando-se em princípios doutrinais, pretende expor as relações da Igreja com o mundo e os homens de hoje. Assim, nem à primeira parte falta a intenção pastoral, nem à segunda a doutrinal. Na primeira parte, a Igreja expõe a sua própria doutrina acerca do homem, do mundo no qual o homem está integrado e da sua relação para com eles. Na segunda, considera mais expressamente vários aspectos da vida e da sociedade contemporâneas, e sobretudo as questões e os problemas que, nesses domínios, padecem hoje de maior urgência. Daqui resulta que, nesta segunda parte, a matéria, tratada à luz dos princípios doutrinais, não compreende apenas elementos imutáveis, mas também transitórios. A Constituição deve, pois, ser interpretada segundo as normas teológicas gerais, tendo em conta, especialmente na segunda parte, as circunstâncias mutáveis com que estão intrinsecamente ligados os assuntos em questão.” Essas pertinentes e significativas palavras da Constituição Pastoral Gaudium et Spes continuam sendo lidas com o olhar da atualidade. Se eram apropriadas, na leitura do mundo de então, 1965, não é difícil reconhecer que são pertinentes, igualmente, em face do “momento atual”, 2024.

São muitos os ângulos da vida e da atividade humana e institucional sobre os quais a Igreja se posicionou com sua palavra profética, na instância mais abrangente de seu magistério, o Concílio Ecumênico. Sem dúvida, essa responsabilidade pastoral da Igreja, do tempo do Concílio ao momento atual, tem um efetivo grau de complexidade porque a realidade mundial é, profundamente, mutável, com transformações pessoais, familiares, psicológicas, morais, religiosas, sociais, políticas, e outras, como atestam a visão do cidadão comum e os estudos científicos. Nesse amplo universo de elementos muito diversificados, a Igreja reafirma sua relação evangelizadora, missionária, com o mundo contemporâneo, no tocante às suas aspirações e às suas dificuldades: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”. Essa é a palavra da Gaudium et Spes em relação às aspirações humanas e institucionais: “as pessoas e os grupos anelam por uma vida plena e livre, digna do homem, pondo ao próprio serviço tudo quanto o mundo de hoje lhes pode proporcionar em tanta abundância. E as nações fazem esforços cada dia maiores por chegar a uma certa comunidade universal.” Todavia, ante a constatação de problemas e dificuldades de toda ordem e de forma ininterrupta, os Padres Conciliares traçaram esse retrato: “O mundo atual apresenta-se, assim, simultaneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior, tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio. E o homem torna-se consciente de que a ele compete dirigir as forças que suscitou, e que tanto o podem esmagar como servir.” De fato, o progresso e a debilidade do mundo atual confirmam o realismo dessa palavra conciliar. Tome-se como exemplo a aspiração da paz e a tragicidade da guerra no mundo atual. “Nestes nossos tempos, em que as dores e angústias derivadas da guerra ou da sua ameaça ainda oprimem tão duramente os homens, a família humana chegou a uma hora decisiva no seu processo de maturação. […] Por isso, o Concílio, explicando a verdadeira e nobilíssima natureza da paz, e uma vez condenada a desumanidade da guerra, quer apelar ardentemente para que os cristãos, com a ajuda de Cristo, autor da paz, colaborem com todos os homens no estabelecimento da paz na justiça e no amor e na preparação dos instrumentos da mesma paz.”

Antes de serem palavras da literatura mundial, “Guerra e paz” fazem parte da linguagem do povo, num passado distante e na atualidade. Não obstante o desejo e o empenho pela edificação da paz, entristece a humanidade, sobremaneira, o fato de serem localizados muitos conflitos e guerras no mapa mundi, no momento atual. A esse respeito, assim se pronunciou a CNBB, em sua Mensagem ao Povo Brasileiro, durante a 61ª Assembleia Geral, em Aparecida: “Desejamos paz para os inúmeros países em guerra, cujas consequências são milhares de mortes e milhões de deslocados e refugiados. Os gastos militares em 2023 foram os mais altos desde a Segunda Guerra Mundial, enquanto a fome cresceu e alcança parcela significativa da população mundial.” A Constituição Gaudium et Spes, com indiscutível acerto, relaciona a paz com a justiça: “A paz não é ausência de guerra; nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação despótica. Com toda a exatidão e propriedade ela é chamada ‘obra da justiça’ (Is. 32, 7).”

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