Às 7h30 ela já estava pronta, banho tomado e sentada à mesa, posta para a festa. Rebeca que vive em situação de rua desde os 11 anos de idade, aguardava o café da manhã, com cerca de mais 1.000 pessoas que estão em situação de rua, no Recife (PE).
A refeição foi oferecida por ocasião da inauguração da Casa do Pão, situada à rua do Imperador, 35, no bairro Santo Antônio, no último dia 15 de novembro de 2022. A Casa do Pão é uma iniciativa da arquidiocese de Olinda e Recife, em Pernambuco, um legado do 18ª Congresso Eucarístico Nacional (18ºCEN), realizado no Centro de Convenções de Pernambuco (CECON-PE), em Olinda, de 12 a 15 de novembro com o tema “Pão em todas as mesas”, e o lema “Repartiam o pão com alegria e não havia necessitados entre eles” (At 2,46).
Assim como Rebeca, do outro lado do casarão 34, agora a Casa do Pão, Índio, como prefere ser chamado, que está em situação de rua há 36 anos, sai aos pulos de alegria, conseguiu tomar seu banho matinal, ganhou roupa e calçados e se encaminhou para o café da manhã, disse que ia cantar um rap.
A Casa do Pão, inicialmente oferece 300 refeições diárias, em três turnos. O espaço também proporciona atendimento espiritual, médico e jurídico, além de serviços de lavanderia, banho, sala para descanso, capela e oficinas profissionalizantes na área de padaria. A Casa será coordenada pela arquidiocese de Olinda e Recife, numa parceria com a prefeitura municipal de Recife, a Defensoria Pública da União em Pernambuco (DPU-PE), a Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco (PGE-PE) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Espaços das Pastorais Sociais em Recife
Segundo Vivian Santana, secretária da Comissão Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Arquidiocese de Olinda e Recife e do Regional Nordeste 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em breve, ao lado da Casa do Pão, será inaugurado em outro casarão, o espaço das Pastorais Sociais para que, além de outras ações, favoreçam e fortaleçam as ações da Casa junto à população em situação de rua.
Enquanto ocorria o descerramento da fita de inauguração da Casa do Pão, no Centro de Convenções, onde ocorrera o 18º CEN, as Pastorais Sociais encerravam a participação no Congresso Eucarístico. 22 Pastorais Sociais animadas pela Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora (Cepast) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil estiveram presentes com a exposição de seus trabalhos e ofereceram atividades no decorrer no Congresso. Ao concluir as atividades, diversos agentes de pastoral agradeceram a oportunidade de realizar uma ação de pastoral de conjunto no Congresso.
A Cepast-CNBB tem a atribuição de fortalecer a participação da Igreja na formação do desenvolvimento humano integral para a construção de uma sociedade justa e solidária, promove o respeito aos Direitos Humanos, à luz do Evangelho, da Doutrina Social da Igreja e da opção preferencial pelos pobres. A missão se concretiza em projetos e encaminhamentos específicos a partir das ações das Pastorais Sociais e Organismos a ela ligados.
A opção preferencial pelos pobres
No livro “Pastoral Social: dimensão socioestrutural da caridade cristã”, o padre Francisco de Aquino Júnior apresenta uma síntese, em quatro itens no que demanda a opção preferencial pelos pobres a partir da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (EG), do Papa Francisco. São eles: a proximidade física dos pobres; o cuidado espiritual; a cultura da solidariedade e o enfrentamento às causas estruturais da pobreza e da injustiça no mundo.
Na EG, nº 187, Francisco convida à “proximidade física dos pobres” e a socorrê-los em suas necessidades imediatas, num amor autêntico e desinteressado para conduzir a um caminho de libertação, para ir além do ativismo assistencialista.
Em segundo lugar, Francisco sugere o “cuidado espiritual” com os pobres. “A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e não podemos deixar de oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra; a celebração dos sacramentos e a proposta de um caminho de crescimento e amadurecimento na fé” (cf. EG, nº 200). O papa chega a enfatizar que “a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual”.
Aquino lembra nesse trecho o Documento de Puebla, nº 1147, que diz “o pobre não é mero objeto de assistência religiosa, ele tem o ‘potencial evangelizador’”. Essa afirmação foi possível perceber, na concretude, no Dia Mundial dos Pobres, 13 de novembro de 2022, na comunidade Santa Cecília, em Recife. Pessoas que viveram em situação de rua e que acolheram a ajuda da Pastoral do Povo de Rua, hoje são agentes na Pastoral, e na celebração foram ao encontro das pessoas que estão vivendo nas ruas e praças da capital pernambucana. Ou o caso de uma mãe, agente de pastoral, que começou a participar da Pastoral da Sobriedade porque a filha é dependente química.
Há também, como terceira sugestão, a “necessidade da vivência e fortalecimento de uma cultura da solidariedade”, que vai além de uma ação esporádica de generosidade. Isso, “significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade; supõe a criação duma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns” (EG 188), e que enfrente a “cultura do descarte”, o “ideal egoísta” e a “globalização da indiferença” (EG, nº54, 67).
Em quarto lugar, a urgência de “enfrentar as causas estruturais da pobreza e da injustiça social”. “A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar […] Os planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais” (EG 202).
Por fim, o Papa Francisco enfatiza: “Ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres, porque as suas opções de vida implicam prestar mais atenção a outras incumbências. Esta é uma desculpa frequente nos ambientes acadêmicos, empresariais ou profissionais, e até mesmo eclesiais. Embora se possa dizer, em geral, que a vocação e a missão próprias dos fiéis leigos é a transformação das diversas realidades terrenas para que toda a atividade humana seja transformada pelo Evangelho, ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social” (EG, nº 201).
Por Osnilda Lima | Comunicação das Pastorais Sociais