Celebração de cinzas e abertura da CF-2019 | Arquidiocese de Olinda e Recife

 

Celebração de cinzas e abertura da CF-2019
Arquidiocese de Olinda e Recife
(Jl 2,12-18; 2Cor 5,20-6,2; Mt 6,1-6.16-18)
Lançamento: Igreja de Santa Cecília (Rua da Conceição)

Caríssimos irmãos e irmãs,

Nesta quarta-feira de cinzas, que neste ano coincida com o aniversário da revolução pernambucana ou revolução dos padres, movimento emancipacionista que eclodiu em 06 de março de 1817, iniciamos o tempo da Quaresma que nos prepara para a festa central da nossa fé, a Páscoa. A celebração da Páscoa é o sinal de que Deus nos dá uma força nova para ressuscitarmos de nossos cansaços, de nossos desânimos e de nossa frieza em relação à fé e ao nosso compromisso com os irmãos. Para acolher bem esse tempo, é importante podermos aproveitar ao máximo a graça da Quaresma.

Nesta celebração de hoje, temos oportunidade de escutar, mais uma vez, o importante texto de Mateus que, em todo o percurso do seu evangelho, nos apresenta Jesus como o Mestre que veio realizar toda a justiça e nos adverte quanto à prática da mesma. Para São Paulo, conforme escutamos na segunda leitura, nossa missão é nos tornarmos justiça de Deus através de uma vida iluminada pela verdade da fé que abraçamos. Através de palavras e ações, Jesus vai educando a comunidade cristã para a prática da justiça, isto é, vai ensinando como se deve realizar concretamente a vontade de Deus. O Evangelho nos ensina: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça diante dos homens, só para serdes vistos por eles” Aponta, em seguida, três importantes valores que devem ser trabalhados pelo cristão para que possa progredir no amor de Deus. São eles: a esmola, a oração e o jejum. Todos, realizados discretamente, sem alarido ou hipocrisia, para que o ato seja autêntico e observado apenas por Deus.

O papa Francisco em sua mensagem para a Quaresma deste ano comenta: “Jejuar, isto é, aprender a modificar a nossa atitude para com os outros e as criaturas; passar da tentação de devorar tudo para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio do nosso coração. Orar, para saber renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos declararmos necessitados do Senhor e da sua misericórdia. Dar esmola, para sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos, com a ilusão de assegurarmos um futuro que não nos pertence. E assim, reencontrar a alegria do projeto que Deus colocou na criação e no nosso coração: o projeto de amá-Lo a Ele, aos nossos irmãos e ao mundo inteiro, encontrando neste amor a verdadeira felicidade”.

Que as cinzas impostas sobre as nossas cabeças, nesta quarta-feira, com o apelo: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” nos recorde que tudo passa e precisamos tomar uma atitude corajosa de mudança, e somente a Palavra de Deus poderá apontar novo e seguro rumo para a nossa existência. É preciso não só acolher a Palavra, mas vivê-la com intensidade, testemunhando assim o nosso compromisso com a Fé. Que os sinais litúrgicos de despojamento utilizados nesta época do ano, contribuam para nossa interiorização e nos recordem o valor da simplicidade como caminho de libertação e realização, pessoal e comunitária. A nossa conversão deve ser autêntica e dinâmica, como lembra o profeta Joel, na primeira leitura: “voltai para mim com todo o vosso coração, com jejum, lágrimas e gemidos; rasgai o coração e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Jl 12-13).

Na tradição de nossa fé, o próprio termo conversão já aponta para o fato de ser juntos que vivemos essa volta para Deus (con-versão). Acreditando que Deus é Amor, o caminho de nossa conversão só pode ser a retomada de um esforço de viver o amor na relação com Deus, na relação conosco mesmos e com os outros. Na mensagem quaresmal do ano passado o papa Francisco lançava a pergunta desafiadora: “Qual sinal damos de que em nós o amor está vivo como uma chama que não se apaga, ou ao contrário se arrisca a se apagar?”.

As nossas comunidades e paróquias já têm o seu calendário litúrgico e o nosso povo ama muito os exercícios quaresmais. Isso é bom e devemos valorizar. No entanto, o fundamental é o que está por trás disso tudo, o trabalho de nossa conversão permanente e constante é graça divina que precisamos acolher e desenvolver.

A Campanha da Fraternidade que, mais uma vez, iniciamos hoje, foi assumida nacionalmente pela CNBB em 1964, quando o Concílio Vaticano II estava caminhando para sua conclusão. O objetivo inicial da CF era aplicar as propostas do Concílio no Brasil, através de uma pastoral de conjunto, assumida por todas as dioceses do país e pelas forças vivas da Igreja. A intuição fundamental é que, para vivermos a fé precisamos caminhar na solidariedade, cuidar mais intensamente da fraternidade entre as pessoas e valorizar a natureza como dom de Deus e, desta forma, amá-la e respeitá-la.

Para muitos cristãos e mesmo ministros da Igreja, a Quaresma nada tem a ver com a Campanha da Fraternidade. No entanto, não é assim que a Conferência dos Bispos do Brasil compreende a fé cristã. Por isso, a CNBB propõe para essa Quaresma o tema “Fraternidade e Políticas Públicas”,  tendo por lema a palavra do profeta Isaías: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1, 27). Sem dúvida, diante da realidade social e política que vivemos em nosso pais, o tema se apresenta oportuno e profético. A razão que nos levou a escolher esse lugar para o lançamento da CF 2019, em nível arquidiocesano, foi o fato de estarmos aqui, em plena via pública, no centro da grande cidade, em frente à pequena Igreja de Santa Cecília, onde funciona a Pastoral do Morador de Rua e lembrar aos nossos políticos e lideranças sociais, a urgência da promoção de políticas públicas inteligentes, voltadas para os mais excluídos da sociedade.

Certamente, todo mundo está de acordo com a necessidade de políticas públicas que, de fato, expressem o cuidado com o bem comum e a vida do nosso povo. Quem conhece o evangelho sabe que Jesus nos manda preocupar-nos com a vida de todos. O mandamento principal do Cristo é o amor solidário aos irmãos e irmãs, como ensina a parábola do bom samaritano. E esse cuidado com a organização da sociedade política faz parte do núcleo central da fé. A missão de Jesus não se restringe ao religioso. Ele veio anunciar e testemunhar um projeto divino para o mundo (é o que os evangelhos chamam de “reino de Deus”).

Na sociedade atual, as políticas públicas são as ações do governo que visam o bem comum e garantem os direitos de todas as pessoas no campo da organização da vida social. Em geral, as políticas públicas são organizadas pela ação do Estado e a cooperação da sociedade civil e de organizações que se colocam a serviço da educação, da saúde e de outros serviços sociais. No Brasil atual, há muitas áreas nas quais o povo parece abandonado à própria sorte. Essa ausência do Estado e de políticas públicas favorece o domínio de grupos clandestinos e violentos, muitas vezes, ligados ao tráfico de drogas e à violência armada e cria situações de profunda insegurança social.

A celebração da Quaresma e da Páscoa de Jesus não pode e não deve ser mera repetição de ritos antigos. Celebrar o memorial do Senhor é atualizar sua ação no meio de nós em favor de toda a humanidade, “até que ele venha”, como dizemos juntos na oração eucarística. Por isso, todas as comunidades eclesiais, junto a seus pastores, são chamadas a participar em parceria com outras instituições públicas e privadas “em favor da implantação e execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a promoção da vida e do bem comum, segundo a Doutrina Social da Igreja”, conforme as atuais Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, n. 124.

Ao celebrar nessa Páscoa, o memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus, somos chamados a entender que a paixão de Jesus se expressa hoje, no sofrimento do povo pobre que enfrenta o aumento do desemprego, a deterioração das suas condições de vida e a negação básica do seu direito de cidadania. Podemos atualizar São João Crisóstomo afirmando: “O Cristo ressuscitado vem dar a cada um/uma de nós, às nossas comunidades eclesiais, e a toda a criação que nos rodeia, uma vida ressuscitada”.

Meus irmãos e minhas irmãs, em hipótese alguma percamos a esperança!

Desejo a cada um/uma de vocês uma santa e renovadora Quaresma e Páscoa do Senhor.

Amém.

​​​Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife

Recife, 06 de março de 2019.

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