Dom Genival Saraiva de França
Bispo emérito de Palmares (PE)
Ao longo dos tempos, em momentos significativos da alimentação da espiritualidade cristã, como o tempo da Quaresma, da comemoração de acontecimentos marcantes da vida pastoral, a exemplo do Dia Mundial das Comunicações Sociais, da realização de eventos importantes da ação evangelizadora, tal como um Congresso Eucarístico Internacional, a Igreja é contemplada com a Mensagem dos Papas. Assim, nesta Quaresma de 2023, a Igreja recebe a Mensagem do Papa Francisco como expressão de seu zelo pastoral, nesse contexto de preparação do Sínodo dos Bispos, em busca da “comunhão, participação e missão”, que acontece no mundo católico, num período trienal, cuja culminância ocorrerá em outubro próximo. Com efeito, o Papa encontra no Sínodo a inspiração para a vivência desta Quaresma – “Ascese quaresmal, itinerário sinodal”. Com a iluminação do Evangelho proclamado no 2º Domingo da Quaresma, “com o episódio da Transfiguração,” quando subiu o Monte Tabor na companhia de Pedro, Tiago e João, “o Senhor toma-nos consigo e conduz-nos à parte. Embora os nossos compromissos ordinários nos peçam para permanecer nos lugares habituais, transcorrendo uma vida quotidiana frequentemente repetitiva e por vezes enfadonha, na Quaresma somos convidados a subir ‘a um alto monte’ juntamente com Jesus, para viver com o Povo santo de Deus uma particular experiência de ascese.” O Papa explica em que consiste ela: “ascese quaresmal é um empenho, sempre animado pela graça, no sentido de superar as nossas faltas de fé e as resistências em seguir Jesus pelo caminho da cruz.”
De que maneira o Papa associa a experiência da Transfiguração à natureza sinodal da vida da Igreja? Suas palavras o dizem: “Para o ‘retiro’ no Monte Tabor, Jesus leva consigo três discípulos, escolhidos para serem testemunhas dum acontecimento singular; Ele deseja que aquela experiência de graça não seja vivida solitariamente, mas de forma compartilhada, como é aliás toda a nossa vida de fé. A Jesus, seguimo-Lo juntos; e juntos, como Igreja peregrina no tempo, vivemos o Ano Litúrgico e, nele, a Quaresma, caminhando com aqueles que o Senhor colocou ao nosso lado como companheiros de viagem. À semelhança da subida de Jesus e dos discípulos ao Monte Tabor, podemos dizer que o nosso caminho quaresmal é ‘sinodal’, porque o percorremos juntos pelo mesmo caminho, discípulos do único Mestre. Mais ainda, sabemos que Ele próprio é o Caminho e, por conseguinte, tanto no itinerário litúrgico como no do Sínodo, a Igreja não faz outra coisa senão entrar cada vez mais profunda e plenamente no mistério de Cristo Salvador.” Ao associar, não propriamente, os termos Transfiguração e Sinodalidade, mas, encontrando em ambos, efetivamente, o ser da vida cristã e da missão da Igreja, escreve o Papa: “O caminho ascético quaresmal e, de modo semelhante, o sinodal, têm como meta uma transfiguração, pessoal e eclesial. Uma transformação que, em ambos os casos, encontra o seu modelo na de Jesus e realiza-se pela graça do seu mistério pascal.”
No Brasil, desde a década de sessenta, a partir da Quaresma, a Igreja vive uma rica experiência de fraternidade, com a Campanha da Fraternidade, que tem um caráter essencialmente comunitário, no que diz respeito à sua concepção, à forma de sua realização, à colheita de seus frutos espirituais/pastorais e à destinação de seus recursos. Dessa maneira, pode-se afirmar que a CF tem caráter de sinodalidade, enquanto suscita na comunidade cristã e em instituições e organismos da sociedade brasileira a disposição de “caminhar juntos”, de estar “juntos no caminho”, no enfrentamento de situações da vida do povo que apelam para gestos concretos, na linha da solidariedade, da caridade, da misericórdia, da justiça social. Isso é visível, claramente, na CF 2023, começando por seu tema “Fraternidade e Fome”. A fome no Brasil é sentida no estomago e está estampada na estatística dos cerca de trinta e três milhões de brasileiros. Essa situação jamais poderia encontrar uma pessoa indiferente, de deixar indiferente a sociedade. São muito edificantes as iniciativas de pessoas que abraçam essa causa, através das muitas expressões do trabalho voluntário. É muito eloquente a mobilização de instituições da sociedade civil, indo ao encontro de camadas da população, vítimas da desigualdade social, em estado permanente de fome ou em casos de calamidades excepcionais. A palavra de Jesus – “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16) –, lema da CF, move as pessoas e a sociedade civil e os poderes públicos, com suas responsabilidades constitucionais, a encontrarem, de forma sinodal, caminhos e meios para a superação da fome.
Na comemoração dos dez anos do ministério petrino do Papa Francisco, a sua Mensagem Quaresmal é uma conclamação a uma consciente vivência eclesial e social: “Desçamos à planície e que a graça experimentada nos sustente para sermos artesãos de sinodalidade na vida ordinária das nossas comunidades.” Ao referir-se à figura do artesão –, “o profissional que utiliza o poder da criação para trabalhar com qualquer produto que seja elaborado com o trabalho de suas mãos” –, O Papa conclama todos a serem “artesãos de sinodalidade”. Além de muito apropriada, no linguajar eclesial, essa expressão aponta a direção de uma forma criativa de construção da cidadania, nas suas muitas formas de organização, em vista da vida plena dos cidadãos.