“Com Jesus, por uma Igreja pascal”
Chegamos ao final da primeira parte do nosso retiro de preparação para a Páscoa, neste ano de 2018. O 4º domingo da Quaresma é, como chama a tradição, o Domingo Laetare (da alegria) de que a Páscoa está próxima. A partir desse domingo, até Pentecostes, no Lecionário cotidiano, seremos conduzidos pelo Evangelho de João. Nessas semanas, somos convidados a fixar nosso olhar e nosso pensamento no mistério pascal da cruz e da ressurreição de Jesus, como centro da nossa fé e da nossa esperança.
O evangelho deste domingo nos mostra o diálogo entre Jesus e Nicodemos, o mestre da lei. Talvez, esse encontro, que o evangelho diz ter ocorrido na escuridão da noite, simbolize a relação difícil entre a comunidade do evangelho, representada por Jesus e os grupos religiosos que, mesmo ligados a Ele, ainda ficavam presos às instituições judaicas e às tradições orais dos fariseus. A esses, o evangelho revela Jesus que afirma: é preciso fixar os olhos na cruz, que Paulo apresenta como escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. É preciso redescobrir e testemunhar Deus como Amor incondicional e absoluto que ama o mundo até o ponto de, por amor, entregar o seu próprio Filho, não para julgar o mundo e sim para salvá-lo.
Afinal de contas, nossa vocação e missão é, não somente nos abrirmos para a luz que resplandece da Cruz, mas, a partir da nossa comunhão de vida com Jesus, nos tornarmos luz para o mundo. Faz sentido recordar aqui o que Jesus disse no Sermão da Montanha: “Vós sois a luz do mundo. (…) Não se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma caixa, mas sim no candelabro, onde brilha para todos os que estão na casa. Assim também brilhe a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está no céu” (Mt 5,14-16). Não seria este, precisamente, o sentido mais profundo da Campanha da Fraternidade deste ano?
Viver isso no momento atual brasileiro tem sido um desafio. Agora, parece que o clima de intolerância e violência, fartamente noticiado pelos meios de comunicação, tem dividido a sociedade brasileira, também tomou como alvo a CNBB e a própria Campanha da Fraternidade. Há quase 20 anos, caiu o muro de Berlim e acabou a União Soviética. Países, antes considerados como comunistas, têm se aberto ao mercado internacional. Entretanto, no Brasil, grupos que se dizem católicos, invadem a sede da CNBB, acusam a Conferência dos Bispos de ser comunista e usar mal os recursos da Campanha da Fraternidade. Chegam a propor aos fieis não colaborarem na coleta. Dessa forma, põem em dúvida os critérios e a idoneidade com os quais o dinheiro arrecadado é empregado. Graças a Deus, nas últimas pesquisas sociais sobre instituições brasileiras confiáveis, a Igreja Católica se destaca. Todas as contas da CNBB são absolutamente transparentes, sobretudo os recursos do Fundo de Solidariedade.
Nesse clima de Quaresma, somos alimentados pelas leituras que nos mostram profetas como Jeremias e o próprio Jesus, acusados de serem contra as tradições religiosas do templo e da lei. Aqui no Recife, acompanhamos o processo de beatificação do nosso querido Dom Helder Camara, que durante a sua vida, foi acusado de ser comunista e suspeito de heresia. Essa Campanha da Fraternidade sobre a superação da violência resgata muito de toda a sua pregação e luta na linha da não violência-ativa, proposta também por Mahatma Gandhi, na Índia e pelo pastor Martin-Luther King, nos Estados Unidos. Todos, em vida, foram acusados de transgressores. Hoje, são exemplos para todo o mundo.
Há 50 anos, a Conferência do Episcopado Latino-americano em Medellín propôs dar à nossa Igreja o rosto de uma Igreja pascal e libertadora (Med 5, 15). Uma Igreja pascal significa uma Igreja que, por seu modo de ser amoroso e aberto, sempre em caminho, ou em saída, como propõe o papa Francisco, seja testemunha do Cristo ressuscitado, sendo a presença de paz e de esperança nesse mundo ferido e carente de amor. Somente assim, essa nossa Páscoa será permanente.
Continuemos firmes, na unidade, a nossa caminhada rumo à Páscoa.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife