Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal
A contumélia refere-se a uma ofensa verbal ou injúria proferida contra alguém visando atingir sua honra e reputação. Expressa-se, principalmente, por meio de palavras com a intenção de humilhar, desacreditar ou insultar o outro, podendo também incluir gestos ou ações que tenham a mesma força expressiva. Na teologia moral, a contumélia é considerada uma violação da caridade e da justiça, pois atinge a dignidade da pessoa ofendida.
Santo Tomás de Aquino trata a contumélia, na Suma Teológica, no Tratado sobre a Justiça, na Questão 72. Em quatro artigos, ele analisa a natureza, a gravidade e as implicações morais desse comportamento, oferecendo uma reflexão que continua atual.
No primeiro artigo, Santo Tomás entende que a contumélia consiste principalmente em palavras, pois estas são os meios mais eficazes de expressar pensamentos e intenções. Embora ações possam também desonrar, é por meio das palavras que a contumélia se manifesta mais claramente, pois elas trazem ao conhecimento de outros aquilo que desonra uma pessoa. Ele destaca que a contumélia é uma forma de injustiça, pois ao tornar público um defeito ou falha, seja verdadeira ou falsa, prejudica-se a honra e a dignidade do próximo.
No segundo artigo, ele explora a gravidade da contumélia, considerando-a um pecado mortal quando há intenção deliberada de difamar alguém. Nesse caso, ela se torna semelhante ao furto e à rapina por violar a justiça e a caridade. No entanto, como a gravidade do pecado pode variar conforme a intenção e as circunstâncias, se a ofensa for proferida com a intenção de corrigir, a contumélia pode ser considerada um pecado venial.
No terceiro artigo, Santo Tomás trata da paciência e da resistência às ofensas verbais. Ele sugere que, embora a paciência seja uma virtude, não é sempre necessário suportar a contumélia passivamente. Em certos casos, é legítimo e necessário repelir a ofensa, especialmente para corrigir o ofensor ou proteger a comunidade de influências negativas. No entanto, isso deve ser feito com moderação e por motivos corretos, e não por vaidade ou desejo de vingança.
No quarto artigo, Santo Tomás identifica a ira como a origem mais comum da contumélia, visto que ela frequentemente surge como uma resposta impulsiva à provocação, uma forma imediata de vingança verbal. Ele também reconhece que a soberba e a estultícia podem predispor alguém a cometer contumélias, pois esses vícios enfraquecem a razão e aumentam a tendência de desonrar o próximo.
A análise de Santo Tomás sobre a contumélia permanece atual, especialmente diante da proliferação de ofensas e discursos de ódio nas mídias sociais e nos ambientes digitais. O princípio de que a contumélia fere a dignidade humana e viola a justiça continua válido, independentemente do meio pelo qual a ofensa é proferida. Em um mundo onde a comunicação é instantânea e global, as palavras têm um poder ainda maior de causar danos, tornando a reflexão de Santo Tomás relevante e essencial para as questões éticas e morais contemporâneas.
Eticamente, a contumélia desafia o princípio da dignidade humana e o dever de respeito mútuo, sendo condenada pela teologia moral como um pecado contra a caridade, pois envenena as relações humanas e contraria o mandamento do amor. Religiosamente, é vista como uma afronta ao desígnio divino de convivência harmoniosa. Juridicamente, pode ser considerada difamação ou injúria, sujeita a sanções civis ou penais, refletindo o reconhecimento social de que a honra e a reputação são bens jurídicos protegidos. A análise de Santo Tomás nos convida a refletir sobre a responsabilidade que temos ao usar as palavras e o impacto que elas podem ter na vida do outro, bem como nos aponta o dever de cultivar a caridade, a paciência e a moderação nas relações humanas e sociais.