Dom Fernando fala sobre o retiro espiritual que realizou entre os dias 27 de fevereiro e 01 de março no distrito de Chã Grande, no agreste de Pernambuco, em preparação para a Quaresma. O arcebispo deu o título de “Pedacinho do Céu” a seu texto e o leitor vai compreender bem o porquê.
“PEDACINHO DO CÉU”
Considero o retiro espiritual, pessoal ou comunitário, uma grande necessidade para o amadurecimento e desenvolvimento espiritual de todo cristão. Infelizmente nem todos têm essa oportunidade. O mundo de hoje, com seus apelos e desafios, nos envolvem de tal maneira que nem sempre encontramos tempo, ao menos para a oração diária, e menos ainda para iniciativas mais prolongadas e exigentes de encontro com Deus. Naturalmente, precisamos reagir e nunca ceder a esses apelos do mundo. Uma vez ou outra, me organizo para refazer-me espiritualmente em um lugar muito especial, que considero um verdadeiro pedacinho do céu.
Trata-se do Mosteiro da Escuta do Senhor, situado na Vila Santa Luzia, distrito de Chã Grande – PE, que possui uma estrutura e ambientação ideal para a realização de proveitosos retiros espirituais. Lá reside uma pequena comunidade de monges beneditinos, cujo prior – Dom Cristiano (Nicolau Gomes da Silva Filho), monge e sacerdote do Mosteiro de Notre-Dame de Tournay (França), porém, licenciado para dirigir essa comunidade, na unidade com dois outros irmãos: Manoel Ferreira de Aguiar (professo solene) e Lázaro (José Inaldo da Silva), oblato claustral ou regular. Até que outros vocacionados, dispostos a abraçar o carisma, sejam agregados ao grupo.
É neste lugar singelo que esporadicamente me recolho, como fiz recentemente no período de 27 de fevereiro a 01 de março, preparando-me para iniciar a graça de mais uma Quaresma. Mosteiro simples, acolhedor, situado em ambiente privilegiado, do ponto de vista da natureza e do clima, sobretudo nos meses mais frios do ano. Nele, tudo transpira paz e motiva à oração. O primeiro toque dos sinos acontece às 04h50, convidando para a oração das vigílias. Apesar de tratar-se de uma pequena comunidade, toda a liturgia das horas é cantada e preparada com esmero. Até mesmo quando apenas um dos três está presente, tendo os demais se ausentado por necessidade, tudo transcorre normalmente. No final da oração sempre são lembrados os “irmãos e irmãs ausentes”, incluindo assim os oblatos seculares, comprometidos com a Regra de São Bento, ligados àquela comunidade monástica. Depois da oração das vigílias, a programação continua com as orações em todos os horários canônicos da tradição da Igreja.
O momento mais sublime do dia é a celebração da Eucaristia às 08h dos dias feriais, com a participação esporádica de fiéis. Vivendo o “Ora et Labora” de São Bento, são igualmente valorizados os trabalhos manuais, para a manutenção da comunidade e a satisfação profissional dos monges. O canto gregoriano é utilizado na celebração da Missa, sobretudo, nos finais de semana quando é maior a participação dos fiéis e existe uma programação própria, com horários diferenciados. Os monges e hóspedes, frequentemente acolhidos, alimentam-se com muita sobriedade. Têm por norma renunciar à carne e fazem opção pelo peixe e frango, consumidos preferencialmente nos domingos e dias festivos. Nos demais, são oferecidos saborosos pratos de soja, verduras e legumes, com um tempero muito especial que se chama amor. O dia termina com a oração de completas, após o jantar das 18h15, quando tem início o silêncio noturno. Rádio, jornal e televisão não fazem parte do quotidiano dos monges anauims, como se consideram.
Nesse clima eu consigo rezar, ler, partilhar, repousar, encontrar-me com Deus. Considero uma graça para a querida Diocese de Caruaru ter em seu território esta casa contemplativa que, no dizer de São João Paulo II seria ideal existir em todas as dioceses do mundo. Infelizmente percebe-se, no tempo atual, com raras exceções, verdadeira crise vocacional na grande maioria das congregações religiosas, sobretudo na vida contemplativa. O sonho do papa fica difícil de concretizar-se, pelo menos por enquanto. Precisamos rezar para que Deus suscite vocações para o Mosteiro beneditino de Chã Grande e toda a vida religiosa, especialmente para as comunidades contemplativas.
Depois de um retiro espiritual no Mosteiro da Escuta do Senhor, ao descer aquela pequena serra, temos a sensação de estar descendo o Monte Tabor (Terra Santa), nos sentindo revigorados pela graça de Deus e fortalecidos para retomar as atividades, mais determinados e obedientes à vontade de Deus e prontos para assumir a dureza da cruz no momento em que ela se faz presente.
Vale a pena, pelo menos conhecer o Mosteiro da Escuta do Senhor, fica aí o convite. Obrigado irmãos beneditinos por vocês existirem, pelo testemunho e por poderem prestar um grande serviço à igreja.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife