Artigo de dom Fernando sobre a Quaresma e a Campanha da Fraternidade

Estamos iniciando o tempo litúrgico da Quaresma que nos prepara para a festa central da nossa fé, a Páscoa. A celebração da Páscoa é o sinal de que Deus nos dá uma força nova para ressuscitarmos de nossos cansaços, de nossos desânimos e de nossa frieza em relação à fé e ao nosso compromisso com os irmãos. Para acolher bem essa graça, é importante entrar em processo de conversão, aproveitando ao máximo a proposta da Quaresma.

Na tradição de nossa fé, o próprio termo conversão já aponta para o fato de ser juntos que vivemos essa volta para Deus (con-versão). Acreditando que Deus é Amor, o caminho de nossa conversão só pode ser a retomada de um esforço de viver o amor na relação com Deus, na relação conosco mesmos e com os outros, nossos irmãos.

Muitas vezes, o cansaço da vida cotidiana, o acúmulo de trabalhos ou simplesmente o passar do tempo nos provoca certo desgaste interior e faz com que vivamos as celebrações e os trabalhos pastorais, mas sem mais o espírito de amor que deve permear e iluminar tudo isso. E esse amor é como o sangue que corre nas veias da nossa vida eclesial. Sem ele, o organismo fica esclerosado e se arrisca a morrer.

Desde 1964, toda a Igreja no Brasil propõe vivenciar a Campanha da Fraternidade durante o tempo da Quaresma. Para muitos cristãos e mesmo ministros da Igreja, a Quaresma nada tem a ver com a Campanha da Fraternidade. No entanto, não é assim que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil compreende a fé cristã. Por isso, a CNBB propõe para esse ano de 2019 o tema “Fraternidade e Políticas Públicas”, tendo por lema a palavra do profeta Isaias: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1, 27).

Provavelmente, todo mundo está de acordo com a necessidade de políticas públicas que, de fato, expressem o cuidado com o bem comum e a vida do nosso povo. Quem conhece o evangelho sabe que Jesus nos manda preocupar-nos com a vida de todos. O mandamento principal do Cristo é o amor solidário aos irmãos e irmãs, como ensina a parábola do bom samaritano. E esse cuidado com a organização da sociedade política faz parte do núcleo central da fé. A missão de Jesus não se restringe ao religioso. Ele veio anunciar e testemunhar um projeto divino para o mundo (é o que os evangelhos chamam de “reino de Deus”).

Na sociedade atual, as políticas públicas são as ações do governo que visam o bem comum e garantem os direitos de todas as pessoas no campo da organização da vida social. Em geral, as políticas públicas são organizadas pela ação do Estado e a cooperação da sociedade civil e de organizações que se colocam a serviço da educação, da saúde e de outros serviços sociais. No Brasil atual, há muitas áreas nas quais o povo parece abandonado à própria sorte. Essa ausência do Estado e de políticas públicas favorece o domínio de grupos clandestinos e violentos, muitas vezes, ligados ao tráfico de drogas e à violência armada e cria situações de profunda insegurança social.

A celebração da Quaresma e da Páscoa de Jesus não pode e não deve ser mera repetição de ritos antigos. Celebrar o memorial do Senhor é atualizar sua ação no meio de nós em favor de toda a humanidade, “até que ele venha”, como dizemos juntos na oração eucarística. Por isso, todas as comunidades eclesiais, junto a seus pastores, são chamadas a participar em parceria com outras instituições públicas e privadas “em favor da implantação e execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a promoção da vida e do bem comum, segundo a Doutrina Social da Igreja” (conf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, n. 124).

Feliz e renovador Tempo Quaresmal para todos e todas!

Dom Antônio Fernando Saburido, OSB

Arcebispo de Olinda e Recife

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