Copa e eleições, Dom Genival Saraiva

Em razão de sua linguagem, há sempre algo especial no coração das pessoas e na história das instituições, num determinado tempo – semana, mês, ano. No entanto, é preciso ter presente a necessidade de se estabelecer uma indispensável escala de valores na leitura de tudo que tem peso e significado para os indivíduos e para a sociedade. Na verdade, nada pode visto pelo ser humano senão com a luz da razão e com a lente do sentimento. Todavia, é comum ora preponderar a luz da razão, ora evidenciar-se o foco do sentimento. Deus prodigalizou o ser humano com esses bens, importantes sob todos os aspectos – razão e sentimento – que lhe possibilitam ler a realidade, objetivamente. A compreensão disso é relevante, sob pena de não se distinguir o que é importante, útil, prioritário, indispensável, duradouro, conveniente daquilo que é irrelevante, desnecessário, superficial, supérfluo, ocasional, inoportuno. Assim, por certo, em 2018, a copa do mundo e as eleições para funções legislativas e executivas, nos níveis federal, distrital e estaduais, têm um destaque próprio na vida das pessoas e na crônica da população brasileira. A população se envolve nos dois eventos, com olhar e interesse diferentes. Como a copa do mundo, as eleições no Brasil se realizam de quatro em quatro anos; uma vez que há muito dinheiro em jogo, constata-se nelas o fenômeno da corrupção, haja vista o número de dirigentes esportivos, políticos e empresários presos e/ou investigados.

Os dois eventos-destaque de 2018, copa do mundo e eleições, precisam ser lidos sob o duplo prisma da razão e do sentimento. Considerada a escala de valores, ninguém de bom senso nivela esses eventos porque, em si, têm significado e consequências muito diferentes na vida das pessoas e nos rumos da história do Brasil. A participação da seleção brasileira na copa do mundo, praticamente, contagiou a população que, de repente, se viu entristecida com sua eliminação. Fica a pergunta: porventura, a copa do mundo mudou a vida dos brasileiros, “pra melhor ou pra pior”? Examinando-se a realidade, vê-se que continua “Tudo como dantes no quartel de Abrantes”. E as eleições? Haverá alguém de bom senso que não considere as eleições, como causa coletiva, mais importantes do que a copa do mundo, sabendo que o resultado tem consequências diretas e duradouras na vida de todos, em razão da natureza das políticas públicas que vierem a ser priorizadas? Por isso, os brasileiros e, particularmente, os eleitores, devem ver as eleições com as luzes da razão e com sentimentos cidadãos. Em face da corrupção de muitos políticos, eleitos em pleitos anteriores, e de empresários inescrupulosos, lamentavelmente, são visíveis, em 2018, o desencanto das pessoas com as eleições e a falta de credibilidade da maioria dos candidatos. Não obstante isso, a consciência cidadã aponta outra direção: na democracia, o voto “é essencial para a transformação da sociedade.”

Nessa situação, nesse contexto, é necessário que todos se deixem guiar pela razão. Conscientes da necessidade de mudanças substanciais no “status quo” da vida nacional, os brasileiros podem contribuir, de modo efetivo, participando do processo eleitoral, na forma possível, como cidadãos responsáveis. A CNBB, seguindo uma prática de muitos anos, publicou uma Cartilha de Orientação Política – Os cristãos e as Eleições 2018 -, com clara finalidade: “A Igreja Católica adotou a prática de elaboração de textos e cartilhas, a fim de conscientizar os eleitores sobre a responsabilidade do voto. O objetivo é ajudar o povo a formar uma consciência cidadã e dialogar sobre o processo político em nossos municípios e estados.” Há um incentivo explícito à participação dos leigos e leigas na vida pública, inclusive, no âmbito político-partidário, “com convicções éticas e religiosas, tornando-se referência nos espaços políticos.” Como sempre, a Igreja Católica não assume nomes como candidatos seus. Pensando no bem-estar da coletividade, apresenta critérios para uma consciente escolha do eleitor – “Vote em quem…”, “Não vote em quem…”. Ao ler a Cartilha e ao discutir o seu conteúdo nas comunidades, cada eleitor entenderá o porquê dos critérios propostos pela CNBB, considerando essa recomendação: “não deixe de votar. A sua ausência enfraquece a democracia.”

A bola da copa do mundo está guardada ou esquecida no coração de cada torcedor brasileiro, conforme seu sentimento; a bola da vez tem o nome de eleição e deve ser guardada na memória de todos, eleitores ou não, porque o “voto não tem preço, tem consequência”, na vida da população.

Dom Genival Saraiva

Bispo Emérito de Palmares – PE

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