Artigo: “E o Povo se fez Bispo”

A ordenação episcopal de Dom Limacêdo Antonio da Silva, no último dia 10 de junho, foi para a história da Igreja na zona canavieira de Pernambuco um marco, não apenas por acontecer no ano do centenário da Diocese de Nazaré, mas pelo simbolismo presente em toda a cerimônia. E para compreender, ler os sinais, é preciso não apenas a capacidade intelectual de analisar os fatos, mas, sobretudo, abrir-se aos vários elementos que compõem a narrativa.

O bispo que, pouco a pouco, surgia durante os vários momentos da liturgia, é um homem negro como boa parte da população da região canavieira, fruto da união entre uma mulher forte e educadora capaz, deficiente física e costureira, dona Maria José da Silva, e de um operário do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Sr. José Antônio da Silva, que conhecia como ninguém as histórias dos engenhos da Mata Norte, homem afeito a visitas e boas conversas, dono de um sorriso largo e grande capacidade de escuta.

O menino que, como muitos de sua época, brincava nas ruas, carregava água e se encantava com o trem, cresceu, vendeu livros, foi secretário de escola, tornou-se seminarista e ordenou-se padre, mas não esqueceu sua história. Aproximou-se dos jovens, dos trabalhadores, dos doentes, das pessoas com deficiência, dos catadores de materiais recicláveis, dos esquecidos por todos, dos invisíveis da sociedade… e neles viu um Jesus que se mostra aos pequenos. Ao tornar-se bispo, adota como lema “E o Verbo se fez carne” (Jo, 1,14), abrindo a porta para mostrar a necessidade de um olhar profético sobre a realidade do povo.

Essa relação entre a vida do povo e sua vida era visível a cada momento da liturgia, assim como era perceptível a preocupação em envolver as várias dimensões de sua história, desde a liturgia da Palavra, com a presença das paróquias por onde passou: Limoeiro, Vertentes, Machados, Paudalho, Goiana e Aliança. O pedido de ordenação foi feito por um padre da Arquidiocese de Olinda e Recife, Pe. Josenildo; e a leitura do mandato apostólico por um da diocese de Nazaré, Pe. José Raimundo. Igualmente impactante foi a sensibilidade de envolver os sobrinhos na entrega do anel e da mitra.

Destaca-se, porém, o fato de ser uma mulher, catadora do lixão da cidade de Limoeiro, a entregar-lhe o báculo.  A presença de dona Socorro na liturgia trouxe para a cena todos os excluídos com os quais o agora bispo Dom Limacêdo havia dedicado sua vida. Foi um momento rápido, mas não se tratava apenas de uma presença, de uma pessoa a mais, mas sim de uma mulher do povo. Nela, as mulheres, as periferias e a terra, ser vivo e feminino, se faziam presentes.  O báculo de madeira também expressou a simplicidade na qual caminhou toda sua vida, buscando formas de misturar-se e não de afastar-se do povo.

O abraço amoroso e cheio de gratidão e reverência à sua mãe, logo após a sagração, também expressou sua capacidade de revelar a força e a beleza que se escondem nos pequenos e do quanto lhe era necessário, na grandeza do momento, estar aos pés daquela mulher para celebrar com ela e, assim, reconhecer seu valor, recordando também a Virgem Maria. Mais de cinco mil pessoas participaram daquele momento e partilharam aquele gesto histórico que, por si, comunicou muito do olhar e dos horizontes que se pode esperar desse novo bispo.

Contudo, um dos momentos mais marcantes foi mesmo a sua fala, ao final da celebração. Nela, o bispo pediu desculpas aos irmãos do Centro de Referência e Formação da Criança e Adolescentes Surdos (CREFAS) pelo fato de a Igreja ainda não entender a importância de se aproximar deles e permitir que eles conhecessem e participassem da vida da Igreja. Reconheceu sua ignorância enquanto pastor que não sabia falar a segunda língua brasileira, pela qual os surdos dizem sua palavra e pela qual a Palavra precisa ser também proclamada. Foi forte sua chamada de atenção quanto ao modelo de Igreja defendido pelo Papa Francisco, uma Igreja em saída, simples com cheiro do povo.

Esse cheiro que partilhou ao relembrar o óleo em sua cabeça, convocando a todos que se recordassem que, pelo batismo, são consagrados e com todos/as comemorava aquele momento, chamando a olhar para frente quando afirmara: “o óleo foi derramado em minha cabeça, mas o bom perfume de Cristo se faça presente em cada um de vocês”. E ao fim, como esquecer seu pedido de proteção a Dom Hélder, conhecido como bispo dos pobres, o “santo rebelde” pequeno em estatura e grande em sabedoria, compromisso e ternura? Recordava assim mais uma vez a necessidade de uma igreja “encarnada”. O bispo recém-ordenado que se apresentava diante do povo com sua voz mansa, e clara, mostrara que enxergava seu ministério a partir de dois exemplos: Dom Hélder e Papa Francisco.

A beleza da celebração, a honra daquele povo em participar de momento tão especial, as tarefas recebidas, tocaram fundo nas pessoas – não apenas pela linda estética e simbolismo que arrematou todos os momentos, mas porque viam um irmão de caminhada tornando-se bispo. “Ele é nosso bispo”, dizia a catadora dona Socorro, emocionada ao fim da celebração. Esta afirmação não estava no passado: ele foi nosso e agora é bispo; mas no futuro: ele é nosso e seguirá sendo, agora sendo bispo!

Severino Ramos Figueiredo e Ana Claudia P. da Silva
Associação dos Missionários do Campo

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