Pe. Matias Soares
Pároco da paróquia de Santo Afonso/Natal-RN
As homilias tornaram-se uma das questões pastorais de suma relevância na atualidade. Com as potencialidades jamais vistas de comunicação, por tantos novos mensageiros do contemporâneo, que encontram nas mídias sociais um instrumento de disseminação de ideias, notícias falsas e estratagemas de manipulação, comunicar deixou de ser um privilégio de alguns privilegiados. Esta arte passou a ser de qualquer um que tenha um smartfone e trafegue com certa facilidade por estas ‘novas maravilhas’. Historicamente, a Igreja sempre foi a ‘Instituição da Comunicação”; pois ela sempre existiu, existe e existirá para ‘anunciar a Boa Notícia’ do Evangelho. Antes da descoberta da imprensa (Gutemberg, séc. XIV-XV), era a Igreja a grande detentora do ‘poder de comunicar’ do ocidente. Eram os sacerdotes, e através deles, a própria instituição que monopolizava a arte da retórica, da escrita e dos sermões.
No contemporâneo, essas vias são pulverizadas, ou se preferirmos são democratizadas. Os novos sacerdotes da comunicação passaram a ser os jornalistas, ou os que se aventuram a ser comunicadores. Sempre há pontos positivos e negativos em todos os tempos e novidades em meio às revoluções deste tipo, dentre elas uma miríade de figuras despreparadas, tanto tecnicamente, como eticamente nos modos de comunicar. Os desafios são tantos e tremendos; pois é extremamente delicado e nocivo quando os que têm esse poder nas mãos, o usam mal e para fazer o mal aos demais seres humanos. Basta que acompanhemos as personalidades hodiernas conhecidas como ‘influenciadores’ digitais. Vejamos alguns de seus perfis e logo poderemos nos questionar o tipo de ‘influência’ que estão arquitetando.
Pois bem! Para os atuais comunicadores da Igreja, especialmente os ministros ordenados, a questão da comunicação tornou-se altamente delicada. Dentre tantas oportunidades em que temos a responsabilidade de falas e transmissão de mensagens, a mais importante, sem dúvida, é a hora de fazermos as ‘Homilias’. Segundo Maldonado, a homilia “é a pregação cristã que ocorre no âmbito de uma celebração litúrgica. Ela tem duas características: ser pregação e ser pregação litúrgica. Como pregação deve corresponder às características fundamentais desta tarefa pastoral básica na Igreja, que podemos também denominar serviço à palavra de Deus. Como pregação litúrgica reunirá e refletirá os traços e elementos essenciais de toda a liturgia. Desta maneira, não há de ser corpo estranho dentro da celebração, nela inserido apenas de modo extrínseco, mais ou menos forçado, porém, enxertar-se-á harmoniosamente em seu contexto como etapa mais de fluência ritual e como ingrediente perfeitamente homogêneo dentro do conjunto do universo festivo celebrativo” (M., Luis, A Homilia…pág. 6). É necessário que saibamos qual o lugar da homilia e qual a sua finalidade no conjunto da ação litúrgica da Igreja.
Os papas Bento XVI e Francisco trouxeram de modo mais contundente a preocupação sobre a importância das homilias para o processo de ‘evangelização’ contemporânea. Nas exortações pós-sinodais (Verbum Domini, 59; Evangelii Gaudium, 135-144). O Emérito afirmara que “pensando na importância da palavra de Deus, surge a necessidade de melhorar a qualidade da homilia; de fato, ‘esta constitui parte integrante da ação litúrgica’, cuja função é favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da Palavra de Deus na vida dos fiéis”. Continua, o teólogo, dizendo que “a homilia constitui uma atualização da mensagem da Sagrada Escritura, de tal modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a eficácia da Palavra de Deus no momento atual da sua vida. Aquela deve levar à compreensão do mistério que se celebra; convidar para a missão, preparando a assembleia para a profissão de fé, a oração universal e a liturgia eucarística”. Bento trás orientações aos homiliastas admoestando que “devem-se evitar tanto homilias genéricas e abstratas que ocultam a simplicidade da Palavra de Deus, como inúteis divagações que ameaçam atrair a atenção mais para o pregador do que para o coração da mensagem evangélica. Deve resultar claramente aos fiéis que aquilo que o pregador tem a peito é mostrar Cristo, que deve estar no centro de cada homilia. Por isso, é preciso que os pregadores tenham familiaridade e contato assíduo com o texto sagrado; preparem-se para a homilia na meditação e na oração, a fim de pregarem com convicção e paixão”, pontifica Bento. Essa atenção ao contato com a Palavra é uma das questões mais urgentes que todos os pregadores são chamados a assumir como regra de vida, não só para a pregação, como também para a espiritualidade pessoal.
Francisco, com seu estilo pastoral mais voltado às questões existenciais, numa preocupação com a evangelização no mundo contemporâneo, acrescenta mais elementos que precisam ser assumidos por todos os que têm essa nobilíssima missão, que é a de anunciadores do Evangelho. Para ele, “a homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De fato, sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem; uns a ouvir e os outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento”. Ainda vale assinalar as observações feitas pelo atual Pontífice que declina que “a homilia é um retomar este diálogo que já está estabelecido entre o Senhor e o seu povo. Aquele que prega deve conhecer o coração da sua comunidade para identificar onde está vivo e ardente o desejo de Deus e também onde é que este diálogo de amor foi sufocado ou não pôde dar fruto”. Ainda, “a homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração. É um gênero peculiar, já que se trata de uma pregação no quadro de uma celebração litúrgica; por conseguinte, deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência ou uma aula. (…) Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo. Estas orientações pastorais são já bem adequadas para nos situarmos e colocarmos as homilias nos lugares que lhes são próprios.
Diante do exposto, vale alguns questionamentos: como estão as nossas homilias? Como as preparamos? Estão embasadas na Palavra de Deus? Somos abertos ao conhecimento dos sinais dos tempos, a partir da contemplação da realidade? Nossas pregações anunciam e denunciam o que é próprio do Reino de Deus, ou aquilo que o trai? Quanto tempo da semana dedicamos à leitura da liturgia da palavra proposta pela Igreja, no cotidiano? Estamos na onda das pregações de autoajuda? Nossas pregações alienam o povo, ou são palavras fiéis à chamada de convém permanente? Nossas homilias têm um começo, um meio e um fim? Nossas homilias são puramente doutrinais e moralistas? Elas abrasam o coração do povo de Deus? Diante de tantas questões, nos serve o que o Papa Francisco nos diz que “a preparação da pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar-lhe um tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral”. Ele é contundente ao afirmar que “um pregador que não se prepara não é ‘espiritual’: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu”. O mesmo chega a propor um itinerário de preparação que vale à pena ser seguido por todos nós, que somos chamados a cultuar à verdade a ser anunciada. Segundo Francisco, uma “boa homilia, como foi-lhe ensinado por um dos seus professores, deve conter ‘uma ideia, um sentimento, uma imagem’” (cf. EG, 157).
Por fim, essa reflexão parece simples, mas é por demais urgente. O povo de Deus presente em nossas comunidades eclesiais ainda tem na homilia o seu único canal de evangelização. Esse estilo de anúncio da Palavra de Deus pode ser aperfeiçoado sempre, por cada um de nós. O Concílio Vaticano II já nos oferecera orientações primorosas no VI capítulo da Dei Verbum. Como ainda sentimos muitas dificuldades na recepção pastoral e basilar deste evento eclesial, também sentimos que uma espiritualidade cristã que tenha como fonte a Sagrada Escritura deve ser fomentada cada vez mais, mesmo que tenhamos tantos recursos técnicos nos tempos atuais., nada pode substituir o contato com a Sagrada Escritura. A maioria das pessoas católicas ainda nutre sua fé, só com a vida sacramental. Contudo, os sacramentos, mesmo realizando a obra da graça por sua própria realidade, necessitam dos pressupostos da Bíblia na preparação dos fiéis, que precisam ser ‘provocados’ à conversão para Deus e ao próximo, através da vivência do mandamento do amor. Assim o seja!