Reflexão III Domingo Tempo Comum: “Evangelizar: pescar para a vida” (Mc 1,14-20)

Evangelho  Mc 1,14-20)

Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o Evangelho de Deus e dizendo:

“O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!”

E, passando à beira do mar da Galileia, Jesus viu Simão e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores.  Jesus lhes disse: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens”.

E eles, deixando imediatamente as redes, seguiram a Jesus.

Caminhando mais um pouco, viu também Tiago e João, filhos de Zebedeu. Estavam na barca, consertando as redes;

e logo os chamou. Eles deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados, e partiram, seguindo Jesus.

 

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

O evangelho desse III Domingo do Tempo Comum apresenta dois temas intrinsicamente relacionados: o anúncio do Evangelho e o chamado dos primeiros discípulos. E a ponte entre esses dois temas é o seu sujeito comum: Jesus, o Cristo, Filho de Deus, como já anunciara Marcos nas primeiras palavras do seu evangelho (1,1). Ao identificar o sujeito do anúncio (Jesus) e o conteúdo do anunciado (evangelho de Deus), Marcos impede que ambos sejam manipulados através de uma adequação à moda do tempo ou mesmo ideologizado perdendo a sua força provocadora. Mas pelo contrário, tanto Jesus quanto o evangelho exigem a coragem de deixar tudo, inclusive os projetos pessoais (a barca e as redes) e as pessoas mais caras (o pai), chegando até mesmo a perder a própria vida para ganhá-la definitivamente (Mc 8,34-35).

A primeira afirmação: “Depois que João Batista foi preso” (grego: paradothenai, ser entregue; mesmo verbo para falar de Jesus que também foi entregue – 1Cor 11,23; portanto, João é precursor tanto na vinda como na morte do Messias) não indica apenas um acontecimento anterior à pregação de Jesus, mas é um verdadeiro prelúdio da pregação de Jesus cujo destino consequente será também a morte por causa da sua fidelidade ao anúncio.

 

O evangelho de Deus não é uma boa notícia qualquer, mas tem um conteúdo preciso e inconfundível cujos pontos centrais Marcos expressou em quatro afirmações interdependentes.

  1. 1. “O tempo completou-se”: aqui não se trata uma referência cronológica, ou seja, um tempo quantificado, um prazo de dias ou de horas, mas o termo grego (kairós) indica um momento especial, uma ocasião oportuna. Portanto, a pregação de Jesus marca o início desse tempo de graça, o anúncio do evangelho de Deus pode se tornar o melhor momento da vida de quem o acolhe e faz dele um programa de vida. Não há mais o que esperar. Promessas para um futuro que nunca chega esvaziam o tempo e tornam pesada a espera. Com Jesus, o tempo é cheio (grego: pleperontai, tem sido plenificado), completo, pois Deus ocupou o espaço vazio que a recusa do ser humano à sua presença provocou.
  2. “O Reino de Deus está próximo”: a expectativa do povo era que um dia Deus iria intervir com um julgamento, era o dia da vingança de Javé (cf. Is 61,1-2), para acabar com os pecadores da terra e dar a sua salvação aos justos. Jesus anunciando a proximidade do Reino de Deus evidencia que a chegada de Deus não se dá pelo iminente castigo, mas através de um apelo de conversão. “Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva” (Ez 18,23).
  3. “Convertei-vos”: literalmente este verbo significa mudar o modo de pensar. Porém, não se limita a uma atividade puramente racional, pois no contexto bíblico é impossível pensar a vida desvinculada nas suas várias dimensões. Portanto, mudar a mentalidade só tem uma razão: dar fundamento à mudança de atitudes. Considerando o verbo grego metanoew como a tradução do verbo hebraico shuv (voltar, retornar), podemos compreender que a verdadeira conversão é uma mudança que nasce do interior do ser humano que reconhece seu pecado, seus desvios, mas também a possibilidade de ter o seu vazio existencial habitado por Deus e, por isso, toma decisões de correção de rota. Os dois aspectos devem se complementar: mudar a mentalidade e, consequentemente, as atitudes. Apenas a mudança de alguns atos isolados não pode ser considerada um caminho de conversão, mas um atalho para voltar para a mesma situação.
  4. “Crede no evangelho”: esta quarta afirmação não tem um sentido em si mesma independente das anteriores. Poderíamos dizer que é a síntese do que foi dito. Reconhecer que a promessa de Deus está se realizando (tempo completo) com a chegada de Jesus que vem para reconciliar (proximidade do reino) exige uma mudança radical de vida (conversão), isto é, aderir (crer) ao evangelho.

Esses quatro passos se realizam no chamado dos primeiros discípulos. A decisão de deixar tudo para seguir Jesus é sinal de que aqueles pescadores reconheceram que deveriam trocar suas redes vazias pelo tempo cheio (completo) inaugurado pelo Messias que se aproxima deles gratuitamente, uma presença que plenifica os corações. Seguir o Messias era acolher o reino que se fazia próximo deles. Converter-se era abandonar a sua pesca, símbolo da morte, pois tirando os peixes da água os conduziam à morte, para mudar radicalmente o resultado da pesca, isto é, para a vida (pescadores de homens, de seres vivos). Seguir a Jesus só será possível se estivermos dispostos a, com Ele, anunciar o evangelho de Deus, cuja garantia da perseverança e da fidelidade dependerá da fé, isto é, da qualidade de adesão.

 

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ. Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana.

 

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