Dom Jaime Vieira Rocha
Arcebispo de Natal (RN)
Nesta sexta-feira santa, a Igreja se recolhe para celebrar a Paixão e Morte de seu Senhor. E, após, o grande silêncio até a Vigília Pascal, celebrada no Sábado Santo. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos. Porque, pela vossa santa Cruz, remistes o mundo. Rezamos, durante a Quaresma, essa jaculatória, reconhecendo a redenção trazida pelo Crucificado. Hoje aconteceu essa redenção e nós, filhos e filhas de Deus, somos renovados pelo sangue derramado na cruz, o Filho rompe as cadeias da morte e do pecado.
Assumindo a morte do homem e da mulher, Jesus dá um novo sentido a nossa vida. A morte, acontecimento próprio da criatura, símbolo do que significa o pecado e suas consequências, se torna, com a morte do Filho de Deus, passagem para a vida.
A fé da Igreja reconhece que Jesus de Nazaré foi morto dentro do mistério do projeto de Deus. É certo também, que aqueles que mataram Jesus não foram apenas executores passivos de um roteiro escrito de antemão por Deus, se assim o fosse, eles não teriam culpa, ou isso não teria significado histórico. O que Deus havia predeterminado foi que seu Filho viesse ao mundo para salvar. A salvação trazida por Jesus acontece em meio ao sofrimento e à morte, sinais do pecado da humanidade. “Deus permitiu os atos nascidos de sua cegueira a fim de realizar o seu projeto de salvação” (Mt 26,57; Jo 18,36; 19,11; At 3,17-18).
Este é um resumo da fé no mistério pascal de Cristo: “Ele morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras” (1Cor 15,3s). A sua morte na cruz é um “mistério de redenção universal” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 691). Por este mistério Ele liberta os homens da escravidão do pecado. Jesus é o Servo sofredor, apresentado pelo profeta Isaías. É o justo, o inocente. Aquele que morre na cruz, o qual não tinha pecado, Deus o fez pecado por causa de nós, afirma São Paulo (cf. 2Cor 5,21). Solidariedade, reconciliação, são as marcas do ato redentor de Jesus Cristo: ele se solidariza com a condição de pecador da humanidade; ele nos reconcilia com o Pai por meio de sua morte. Jesus vive o mistério de sua morte na liberdade de sua intimidade com o Pai. A sua morte não é apenas o resultado de um complô humano, vítima da injustiça e da incoerência religiosa. Ele mesmo afirma, dando o significado redentor de sua morte: “Ninguém me tira a vida, mas eu a dou livremente” (Jo 10,18). Essa é a liberdade soberana do Filho de Deus. Essa oferta livre de si mesmo, Jesus a vive, de modo antecipado, na ceia celebrada com os Doze. E ele a faz em liberdade, significando que a sua morte na cruz é entrega de salvação: “Isto é o meu corpo que é dado por vós…” (Lc 22,19). “Isto é o meu sangue derramado por muitos para remissão dos pecados” (Mt 26,28).
Na confissão de fé da Igreja no mistério da morte redentora de Cristo, Filho eterno do Pai que se encarna para fazer dos homens e das mulheres, filhos e filhas, Deus manifesta o seu desígnio de amor. Deus não condena seu Filho à morte, como se tratasse de um malfeitor ou um pecador. A vontade de Deus se manifesta na entrega de seu Filho ao destino dos pecadores. Deus Pai não entrega Jesus à morte, como fizeram as autoridades judaicas de seu tempo (Luis Ladaria). Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho, para que todos encontrem a salvação (cf. Jo 3,16). E este amor não exclui ninguém. A vontade do Pai é que todos sejam salvos. “Afirma ele ‘dar a sua vida em resgate por muitos’ (Mt 20,28); este último termo não é restritivo: opõe o conjunto da humanidade à única pessoa do Redentor que se entrega para salvá-la” (CIC 605). Este é o ensinamento da Igreja: Cristo morreu por todos os homens sem exceção, como afirma o Concílio de Quiercy no ano 853: “Não há, não houve e não haverá nenhum homem pelo qual Cristo não tenha sofrido” (DH 624, citado pelo Catecismo da Igreja Católica, n. 605).