Dom Genival Saraiva de França
Bispo emérito de Palmares (PE)
Os Evangelhos, os Atos dos Apóstolos e Cartas de São Paulo às comunidades fazem muitas referências à participação de mulheres e de homens no anúncio do Reino de Deus, assumindo essa causa e apoiando-a com seus serviços e, em alguns casos, com seus bens. “Jesus andava por cidades e povoados, pregando e anunciando a Boa Nova do Reino de Deus. Os doze iam com ele; e também algumas mulheres que haviam sido curadas de maus espíritos e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios; Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Susana, e várias outras mulheres que ajudavam a Jesus e aos discípulos com os bens que possuíam.” (Lc 8,1-3) “A maneira com qual Jesus tratava as mulheres é reveladora. […] Jesus aceitou ser ungido por uma mulher e a defendeu contra as críticas (Mt 26,10; Mc 14,6) […] Com Marta e Maria Jesus tinha um relacionamento de amizade familiar e profunda (Lc 10,38-4,2; Jo 11). Ele conversou sem embaraço com a samaritana no poço de Jacó, o que aos discípulos pareceu contrário aos bons costumes (Jo 4,7ss.27). Estes episódios revelam em Jesus uma total ausência de sentimentos misóginos […] como da ideia, predominante no mundo judaico de seu tempo, de que mulher era um ser inferior. Sob este aspecto, seu comportamento é revolucionário, também se não o é o seu ensinamento.”
Os apóstolos assimilaram o ensinamento de Jesus, revelado em suas palavras e atitudes, pondo-o em prática, nos primeiros passos da comunidade cristã. “Desde o início da Igreja primitiva as mulheres aparecem como membros de pleno direito […]; muitas mulheres convertidas são mencionadas pelo nome (At 16,13s; 17,4.12.34). As mulheres tomavam parte ativamente na vida da Igreja, realizando e recebendo boas obras (At 6,1; 9,36ss; 16,15). Essas obras compreendiam a assistência aos apóstolos no seu ministério, não na pregação e no ensinamento, e sim nas situações atinentes à vida prática, como se menciona algumas vezes […] Priscila participava com Áquila do ministério da Palavra (At 18,26).” As mulheres estão presentes, de maneira muito ativa, no ministério de São Paulo. “No corpus paulino há muitas indicações de que as mulheres trabalhavam ao lado dos homens pela causa do Evangelho. Primeiro, há o exemplo extraordinário de Priscila. Ela e o marido, Áquila, eram colaboradores de Paulo e arriscaram a própria cabeça para salvar-lhe a vida. A Igreja se reunia na casa deles, e todas as Igrejas dos gentios lhes eram gratas (Rm 16,3-4; cf. 1Cor 16,19; 2Tm 4,19). Havia também Evódia e Síntique, colaboradoras de Paulo no anúncio do Evangelho, que trabalhavam na Congregação de Filipos (Fl 4,2-3)”.
Em se tratando do comportamento, o ser humano é mutável. Os próprios apóstolos demonstraram isso, em suas atitudes de inveja, diante das pretensões ambiciosas de Tiago e João, a negação de Pedro, a traição de Judas, entre outras expressões de fragilidade humana. A sociedade, por sua vez, é reconhecidamente influenciável e, assim, muda de ideia e de atitude, com muita facilidade. Considere-se, por exemplo, o comportamento do povo que acolheu Jesus, festivamente, ao entrar em Jerusalém, para celebrar a Páscoa; ao acompanhar um julgamento injusto, promovido por pessoas influentes do mundo religioso e político, pede a sua condenação. Jesus disse aos apóstolos que também eles seriam perseguidos por causa do Evangelho. São Lucas, no Livro dos Atos dos Apóstolos, faz o registro de casos de perseguição. A esse respeito, um fato tem uma significação peculiar por ser patrocinado por pessoas ricas, religiosas e influentes: “Então, com muita coragem, Paulo e Barnabé declararam: ‘Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que vamos dirigir-nos aos pagãos. Porque esta é a ordem do Senhor: ‘Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra.’ Os pagãos ficaram muito contentes, quando ouviram isso, e glorificavam a palavra do Senhor. Todos os que eram destinados à vida eterna, abraçaram a fé. Desse modo, a palavra do Senhor espalhava-se por toda a região. Mas os judeus instigaram as mulheres ricas e religiosas, assim como os homens influentes da cidade, provocaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé e expulsaram-nos do seu território.” (At 13,46-50)
A presença e atuação de mulheres e homens se manifesta na vida da Igreja, ao longo dos tempos, sob muitos aspectos. Assim, é edificante essa participação no trabalho da evangelização, na vida pastoral das comunidades. Graças à linha do pastoreio do Papa Francisco, como no tempo de São Paulo, as mulheres trabalham “ao lado dos homens pela causa do Evangelho”. Uma conquista recente, nessa direção, é a recepção do Ministério de Acolitado e Leitorado, por parte das mulheres, através “de um ato litúrgico”, nos termos do Motu Proprio “Spiritus Domini”. Por outro lado, também se constata na vida da Igreja, com a expressão versátil da comunicação contemporânea, a atuação de “mulheres ricas e religiosas”, bem como de “homens influentes da cidade” que torpedeiam o trabalho da evangelização nas comunidades no Brasil, que se realiza segundo as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora e as orientações pastorais vigentes – Comunidade de comunidades”. Influenciadores de matriz católica que atuam na mídia digital, numa atitude de contestação, de confrontação com a orientação Igreja Católica, se assemelham àquelas “mulheres ricas e religiosas”, bem como aos “homens influentes da cidade” que semeiam o joio no meio do trigo. (cf. Mt 13,24-30) Essa é a face da história.
Não obstante as resistências internas e externas à sua missão, cabe à Igreja anunciar o Evangelho, “oportuna e inoportunamente” (2Tm 4,2), com a participação de mulheres e homens evangelizados.