Tragédias concomitantes

Dom Genival Saraiva de França
Bispo emérito de Palmares (PE)

No momento, o mundo vive duas experiências dolorosas. A primeira, a pandemia do coronavírus que, desde 2020, tem registros alarmantes de contaminações e mortes; a segunda, a guerra Rússia/Ucrânia, que eclodiu, há poucos dias, revela a face de uma tragicidade perpetrada de forma inédita. A pandemia chegou à marca de 6.000.000 de mortes no mundo, causadas por uma única doença. O Brasil se tornou o segundo país no mundo, no tocante ao número de mortes provocadas pela Covid-19, com mais de 653.000 casos. Trata-se de um sofrimento jamais experimentado pela população mundial e brasileira, com suas múltiplas consequências na vida das pessoas e das instituições. Com efeito, a pandemia abalou a estrutura física, psíquica e espiritual das pessoas e é visível o abalo na estrutura das instituições. A fase crítica foi atenuada, inclusive nesta fase da contaminação pela variante ômicron, em decorrência da vacinação e de outras medidas adotadas pelos poderes públicos e observadas pela maior parte da sociedade civil. Todavia, ainda há perigos potencialmente reais, por possível surgimento de novas variantes, algo não descartável pela ciência, uma vez que a imunização mundial da população não atingiu o percentual esperado. A guerra na Ucrânia é um fato, extremamente doloroso, executado pela Rússia, de forma premeditada, ao invadir o território de uma nação democrática; é um ato de barbárie, em contexto absolutamente inesperado, se comparado com o modo como foram iniciados outros conflitos entre países, de abrangência local, de âmbito regional ou de caráter mundial. Este lamentável acontecimento está falando, fortemente, à consciência e à sensibilidade da humanidade que toma consciência da sua tragicidade. Solidariamente, acompanha os sofrimentos da população da Ucrânia, diante da agressão imposta poderio bélico da Rússia, reconhecidamente desproporcional, frente a um país voltado para sua afirmação nacional. É indiscutível o plano de dominação expansionista da Rússia com o massacre imposto à Ucrânia pelo Presidente Putin, cuja história de vida está associada â espionagem e seus desdobramentos totalitários. Em relação ao número de mortes de civis, a tragédia afeta unicamente a Ucrânia, enquanto em relação aos militares há baixas de parte a parte. ´É chocante a realidade da fuga em massa de ucranianos e de pessoas de outras nacionalidades. É eloquente a posição dos países de fronteira que já recebem mais de dois milhões de refugiados. É edificante o gesto de pessoas desses países que se mobilizam para acolher, fraternalmente, pessoas desnorteadas e famílias separadas. É solidária a posição articulada de países, no enfrentamento da agressão russa, com medidas punitivas, na forma pertinente, como a adoção de sansões econômicas e financeiras. É exemplar a forma como Parlamentos de países e instituições, como ONU e seus organismos, têm assumido a causa da Ucrânia, diante da “Operação Especial” do líder russo, eufemismo intencionalmente criado para evitar o reconhecimento da guerra que está em curso.

É coerente a atitude do Papa Francisco, frente à pandemia e à guerra promovida pela Rússia. No primeiro ano da pandemia, colocou no coração e nos lábios dos cristãos uma oração que gera uma consciência de mundo, em face da tragédia: “Mãe amadíssima, fazei crescer no mundo o sentido de pertença a uma única grande família, na certeza do vínculo que une a todos, para acudirmos, com espírito fraterno e solidário, a tanta pobreza e inúmeras situações de miséria.” Diante da situação na Ucrânia, é visível o seu semblante de preocupação porque, como disse, o seu “coração está partido”. Devoto da Virgem Maria, pediu à Rainha da Paz que “salve o mundo da loucura da guerra”. Duas tragédias concomitantes representam um peso incalculável para a humanidade: a pandemia porque se localizou, concretamente, no “mapa mundi” e a guerra contra a Ucrânia porque, extrapolando o seu limite territorial, se instalou, efetivamente, no coração solidário da população mundial. A iniquidade dessas tragédias clama pela priorização da convivência harmoniosa entre as pessoas e pela coexistência democrática entre as nações.

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