Dom Genival Saraiva
Bispo emérito de Palmares (PE)
O ser humano tem a capacidade de viver a realidade do tempo, na normalidade do cotidiano, em face de momentos previstos no calendário e diante de acontecimentos inesperados. Isso acontece na vida de qualquer pessoa, com maior, menor ou, mesmo, sem qualquer consciência desse fenômeno e de suas repercussões que, obviamente, são compreendidas conforme a própria medida intelectual, psicológica, espiritual. Certo é reconhecimento de que nada é indiferente, neutro, na existência humana, uma vez que tudo tem valor, preço e consequência. Isso deveria ser sempre objeto de atenções e cuidados humanos, sob pena de se pagar um tributo existencial que tem um determinado nível de gravidade, quando as coisas não andam “na linha certa”. Sábia é a orientação da Igreja, por ocasião do término e início do ano litúrgico que, como se sabe, não coincide com o calendário do ano civil. Tendo como referência a celebração do Mistério de Cristo, da preparação do Natal do Senhor, com o tempo do Advento, à Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo, no último domingo do Tempo Comum, identifica-se o caráter de continuidade da vida de oração do povo de Deus que considera, na verdade, a realidade do tempo e a dimensão de eternidade. Assim, a palavra de Deus e a oração litúrgica da Igreja acentuam a necessidade de preparação e de vigilância dos fiéis, diante da realidade que vivem e em face do que há de vir. Profetas, no Antigo Testamento, João Batista, personagem principal da passagem da Antiga para a Nova Aliança, e o próprio Jesus Cristo tocam na tecla da vigilância, atitude precavida de quem tem consciência da relatividade das “coisas terrenas”, quando confrontadas com a natureza das “coisas do alto”. Para a compreensão de tudo isso, tenha-se presente a leitura de São Paulo, em suas Cartas, sobre cidadania terrestre e celeste – “coisas terrenas”, aquilo “que é da terra”, “coisas do alto”, “cidadãos do céu” (cf Fl 3 19-20; Cl 3 1-4)
A essa altura do calendário litúrgico e civil, os sentimentos, as atitudes e as expectativas do povo convergem para as “festas de fim de ano” que compreendem o Natal e a passagem de ano. Por sua natureza, o Natal é celebrado, liturgicamente, com caráter predominantemente familiar e comunitário. A criatura humana, com ou sem índole religiosa, identifica-se com Jesus, em razão de sua humanidade. Conhecendo o ensinamento da Igreja e aderindo mediante a fé, os cristãos compreendem a exata dimensão da humanização de Deus porque sabem que Jesus foi “concebido pelo poder do Espírito Santo” e “nasceu da Virgem Maria”. Esse é o mistério do Natal do Senhor: “Assim, pois, Deus amou o mundo: a ponto de dar o Unigênito, a fim de que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele.” (Jo 3 16-17) O autor da Carta aos Hebreus ensina essa mesma verdade: “De fato, não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer de nossas fraquezas, já que em tudo foi provado como nós, mas sem pecado.” (Hb 4,15). A esse respeito, escreveu Santo Agostinho: “Desperta, ó homem: por tua causa Deus se fez homem. […] Por tua causa, repito, Deus se fez homem. […] Celebremos com alegria a vinda de nossa salvação e redenção. Celebremos este dia de festa, em que o grande e eterno Dia, gerado pelo Dia grande e eterno, veio a este nosso dia temporal e tão breve.”
Por sua vez, a passagem de ano é marcada por uma leitura especial, feita por qualquer pessoa, considerando marcas significativas na sua vida e convivência, do início ao término desse período de trezentos e sessenta e cinco dias. Assim, para todas as pessoas, em qualquer parte do planeta, as marcas dolorosas da Covid-19 estão registradas nas inesquecíveis estatísticas de contaminações e mortes no Brasil e no mundo, não obstante a constatação dos resultados animadores da vacinação. Diante desse quadro, o Revéillion, comemorado socialmente como “festa de passagem para o ano novo”, necessariamente, será disciplinado pelas políticas públicas, no mundo inteiro, de conformidade a realidade nacional, regional e local, em face dos perigos concretos ou iminentes que a variante ômicron trouxe para a humanidade.
Ao viver a realidade do tempo, no contexto de término e início de ano litúrgico e ano civil, o espírito de vigilância, a atitude de prevenção e a consciência de cidadania são parâmetros que norteiam a prática de vida das pessoas que creem no Deus-Menino, das que se regem pelos ditames da lei natural e das seguem as normas de suas respectivas instâncias sociais e políticas.