Dom Genival Saraiva de França
Bispo emérito de Palmares (PE)
A doença está intimamente relacionada com a condição dos seres vivos, cuja face é revelada através das linguagens da sensação, do instinto e da razão e identificada como “alteração biológica do estado de saúde de um ser, (homem, animal etc), manifestado por um conjunto de sintomas perceptíveis ou não”. Desde 2019, a humanidade conhece uma doença grave, causada pelo novo coronavírus, cuja origem está sendo pesquisada pela OMS. Dada a extensão e rapidez de seu caráter transmissivo, tornou-se uma pandemia temida pelo seu alto grau de contaminação, tendo atingido mais de cento e três milhões de pessoas, e de letalidade, com mais de dois milhões e duzentos mil casos de morte, um número que é atualizado, diariamente. No Brasil, é, igualmente, assustador o número de infecções, aproximando-se de dez milhões, enquanto os óbitos têm mais de duzentos e trinta e dois mil atestados. O agravamento dos casos, em decorrência de políticas públicas desarticuladas e da irresponsabilidade coletiva, se reflete nos crescentes índices de contaminação, hospitalização e mortes que tendem a aumentar, como apontam infectologistas e gestores, em razão do período de carnaval, mesmo tendo sido adiado ou cancelado do calendário de diversas cidades.
Um dos ensinamentos atuais da Igreja sobre a doença e o doente é a Mensagem anual dos Papas, desde 1992, como a do Papa Francisco, em 2021: “A celebração do XXIX Dia Mundial do Doente que tem lugar a 11 de fevereiro de 2021, memória de Nossa Senhora de Lurdes, é momento propício para prestar uma atenção especial às pessoas doentes e a quantos as assistem quer nos centros sanitários quer no seio das famílias e comunidades. Penso de modo particular nas pessoas que sofrem em todo o mundo os efeitos da pandemia do coronavírus. A todos, especialmente aos mais pobres e marginalizados, expresso a minha proximidade espiritual, assegurando a solicitude e o afeto da Igreja. O tema deste Dia inspira-se no trecho evangélico em que Jesus critica a hipocrisia de quantos dizem mas não fazem (cf. Mt 23, 1-12). Quando a fé fica reduzida a exercícios verbais estéreis, sem se envolver na história e nas necessidades do outro, então falha a coerência entre o credo professado e a vida real. O risco é grave; Jesus, para acautelar do perigo de derrapagem na idolatria de si mesmo, usa expressões fortes e afirma: ‘Um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos’ (23, 8).” A respeito da doença, escreveu o Papa: “A experiência da doença faz-nos sentir a nossa vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, a necessidade natural do outro. Torna ainda mais nítida a nossa condição de criaturas, experimentando de maneira evidente a nossa dependência de Deus. De fato, quando estamos doentes, a incerteza, o temor e, por vezes, o pavor impregnam a mente e o coração; encontramo-nos numa situação de impotência, porque a saúde não depende das nossas capacidades nem do nosso afã (cf. Mt 6, 27). A doença obriga a questionar-se sobre o sentido da vida; uma pergunta que, na fé, se dirige a Deus. Nela, procura-se um significado novo e uma direção nova para a existência e, por vezes, pode não encontrar imediatamente uma resposta. Os próprios amigos e familiares nem sempre são capazes de nos ajudar nesta busca afanosa.” A respeito do doente, são suas essas palavras: “A doença tem sempre um rosto, e até mais do que um: o rosto de todas as pessoas doentes, mesmo daquelas que se sentem ignoradas, excluídas, vítimas de injustiças sociais que lhes negam direitos essenciais (cf. Enc. Fratelli tutti, 22). A atual pandemia colocou em evidência tantas insuficiências dos sistemas sanitários e carências na assistência às pessoas doentes. Viu-se que, aos idosos, aos mais frágeis e vulneráveis, nem sempre é garantido o acesso aos cuidados médicos, ou não o é sempre de forma equitativa. Isto depende das opções políticas, do modo de administrar os recursos e do empenho de quantos revestem funções de responsabilidade. O investimento de recursos nos cuidados e assistência das pessoas doentes é uma prioridade ditada pelo princípio de que a saúde é um bem comum primário. Ao mesmo tempo, a pandemia destacou também a dedicação e generosidade de profissionais de saúde, voluntários, trabalhadores e trabalhadoras, sacerdotes, religiosos e religiosas: com profissionalismo, abnegação, sentido de responsabilidade e amor ao próximo, ajudaram, trataram, confortaram e serviram tantos doentes e os seus familiares. Uma série silenciosa de homens e mulheres que optaram por fixar aqueles rostos, ocupando-se das feridas de pacientes que sentiam como próximo em virtude da pertença comum à família humana. […] Tal relação com a pessoa doente encontra uma fonte inesgotável de motivações e energias precisamente na caridade de Cristo, como demonstra o testemunho milenar de homens e mulheres que se santificaram servindo os enfermos. […] Uma sociedade é tanto mais humana quanto melhor souber cuidar dos seus membros frágeis e atribulados e o fizer com uma eficiência animada por amor fraterno. Tendamos para esta meta, procurando que ninguém fique sozinho, nem se sinta excluído e abandonado.”
Em qualquer situação, o olhar para o doente tem o tom da sensibilidade ou indiferença das pessoas. Para os cristãos, além da leitura do coração e da razão, esse olhar tem a iluminação da fé. O ensinamento e a ação de Jesus sempre põem em evidência seu amor misericordioso, ao identificar-se com os que sofrem, na condição de famintos, sedentos, doentes, prisioneiros, perseguidos, migrantes. (cf Mt 25,31-46)