Igreja provoca audiência pública sobre violência contra camponeses em Pernambuco

A Comissão Regional Pastoral para a Ação Sociotransformadora da CNBB NE2 segue acompanhando a situação de violação dos direitos de mais de 1,5 mil famílias camponesas que vivem sob ameaça de empresários na mata sul de Pernambuco. Em busca de diálogo e justiça para encerrar o conflito agrário na região, o órgão representante das Pastorais Sociais participou no último dia 30 de uma audiência pública sobre o assunto.

O evento, realizado de maneira virtual, foi organizado pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) e também contou com a participação de parlamentares, advogados e representantes de entidades civis ligadas à luta pela terra.

Presidente da Comissão de Agricultura, o deputado Doriel Barros (PT) disse ter recebido denúncias de episódios de violência nos municípios de Jaqueira, Catende, Maraial, Tamandaré e Barreiros, entre outros. “Visitamos algumas localidades e observamos o pavor dos trabalhadores rurais, ameaçados por milicianos contratados por empresas. Deparamos com situações em que os agricultores são cerceados no seu direito de ir e vir, com a instalação de cercas nas propriedades”, relatou. “Queremos contribuir para conferir tranquilidade a essas famílias.”

Representante do mandato coletivo Juntas (PSOL) e presidente da Comissão de Cidadania, a deputada Jô Cavalcanti também informou ter ido a áreas de conflito. “Dialogamos com agricultores que vivem há cerca de 60 anos em determinados territórios, produzindo alimentos e fazendo com que as terras finalmente cumpram um papel social. Os problemas se arrastam há muitos anos, mas se intensificaram nos últimos meses”, revelou a parlamentar, que ainda denunciou práticas abusivas que estariam sendo promovidas por policiais militares convocados a atuar nos conflitos.

Advogado da Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de Pernambuco (Fetape), Bruno Ribeiro acredita que os problemas têm, como causa primeira, a ausência de um modelo de desenvolvimento para a região, que experimenta o declínio da atividade sucroalcooleira nas últimas décadas. Segundo ele, das 50 usinas instaladas no território ao longo de meio século, apenas 12 estão hoje em atividade. A maior parte dos empreendimentos desativados acumula dívidas com o Estado, com a União e com os ex-trabalhadores, atualmente ocupantes das terras.

Ribeiro explicou que as áreas desses engenhos em processo de falência vêm sendo assumidas por novos proprietários, responsáveis por medidas que intensificaram os conflitos. “No Engenho Batateiras, em Maraial, uma imobiliária assumiu o terreno, contratou uma empresa de segurança privada e encheu a propriedade de cercas, impedindo a circulação dos agricultores por passagens públicas”, exemplificou.

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“Ou o Poder Público enfrenta as causas desse problema e constrói um novo modelo social e econômico para a região, prevendo novas destinações para essas terras, ou os cidadãos daquele local ficarão à mercê da violência”, frisou. O advogado defendeu, ainda, que o Estado exija do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a fiscalização dos imóveis, os quais devem cumprir uma função social, sob pena de sofrer processo de desapropriação.

“Os conflitos atingem cerca de 1,5 mil famílias que se estabeleceram há décadas na região. A situação deixou de ser pacífica com a chegada dos novos proprietários ou cessionários das terras”, confirmou a assessora jurídica da Comissão Pastoral da Terra, Gabriela Santos. Presidente da Fetape, Cícera Nunes destacou a importância econômica e social desses agricultores familiares para o lugar. “Movimentam a economia e levam alimento para outras famílias”, observou.

Para o presidente do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável de Pernambuco, Germano Barros, a polícia precisa defender não apenas o direito de empresários, mas garantir a segurança dos posseiros. “Os trabalhadores rurais, os jovens, idosos e crianças que vivem nessas áreas estão com medo da truculência e do terrorismo, que se tornaram cotidianos”, lamentou o articulador da Comissão Regional Pastoral para a Ação Sociotransformadora, diácono Jaime Bonfim.

Empresários – Representando a Usina Frei Caneca, que funcionou em terras dos municípios de Maraial e Jaqueira, o advogado Paulo Roberto Lyra afirmou que o arrendamento do terreno a outras empresas não possui nenhum impedimento legal ou jurídico. A prática, segundo ele, tem o objetivo de preservar as terras produtivas e levantar fundos para o pagamento de dívidas trabalhistas. “O que tem nos preocupado são as invasões recentes de pessoas que, inclusive, estão desmatando deliberadamente áreas de preservação ambiental”, pontuou.

De acordo com o advogado, alguns agricultores têm o direito de estar no local devido a créditos gerados em ações trabalhistas, mas esse não é o quadro geral. “Com as terras sendo invadidas por diferentes grupos, temo que esses trabalhadores não tenham garantia de receber os valores a que fazem jus”, complementou.

Rafael Accioly, representante jurídico da Agropecuária Mata Sul, informou que a empresa exerce atividades agropecuárias nas terras da antiga Usina Frei Caneca e conta, para isso, com decisões judiciais de primeira e segunda instâncias favoráveis ao arrendamento. “Nesta situação de crise em que vive a região, ter uma empresa exercendo legalmente suas atividades e gerando emprego deveria ser algo a ser estimulado”, argumentou. “A disputa que estamos travando vem sendo feita com base em decisões judiciais, e não com a violência armada que relataram estar ocorrendo em outras propriedades”, alegou.

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Poder Público – De acordo com João Barros, gestor da força-tarefa integrada da Secretaria de Defesa Social (SDS), o Batalhão da Polícia Militar responsável pela área “está ciente de toda a problemática e atento para que os PMs atuem da melhor forma possível”. Ele acrescentou que cinco inquéritos para apurar os casos já vêm sendo conduzidos pela Polícia Civil, e que a Corregedoria da pasta também acompanha as ocorrências de abusos cometidos por agentes.

Representante do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco (Iterpe), Altair Correia avisou que a entidade está concluindo as perícias topográficas necessárias ao processo de regularização das áreas que são objeto de conflito. Já o procurador do Estado Paulo Rosenblatt esclareceu que “uma das possíveis soluções que vêm sendo articuladas para o problema é decidir judicialmente os débitos fiscais que essas empresas têm com Pernambuco, permitindo que o Governo realize programas de assentamento dos trabalhadores rurais da região”.

Membro da Defensoria Pública do Estado, José Fernando alertou que a instituição também acompanha os conflitos na Mata Sul e tem atuado para evitar que “o poderio econômico seja utilizado para impedir que agricultores circulem nessas terras, seja com a contratação de empresas de segurança, instalação de cercas ou uso da violência”.

Por fim, o secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, declarou que “o Governo de Pernambuco não tolera a prática de cercear o ir e vir dos trabalhadores nem admite que sejam tratados como gado”. Ele salientou que as negociações com a Agropecuária Mata Sul estão “sendo feitas com tranquilidade”, mas que as milícias contratadas por outros empreendimentos “vão sentir a mão forte do poder estadual”.

Com informações e fotos da Alepe

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